A Vida de Francis Israel Regardie

Um breve relato da vida de uma das maiores personalidades no campo do Ocultismo do século passado.

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A Vida de
Francis Israel Regardie
(Israel Regudy)

Prefácio

Faze o que tu queres deverá ser o todo da Lei

A maior parte desta biografia é um resumo do livro Crowley’s Apprentice: The Life and Ideas of Israel Regardie de Gerald Suster, que é a única biografia da qual temos conhecimento. A maior parte daquela obra não trata exclusivamente da vida de Israel Regudy, mas sim de explicar as matérias e descrever as pessoas com as quais ele se envolveu, restando poucas informações históricas e um tanto embaralhadas. Estes fatos foram reorganizados aqui, com algumas informações adicionais de outras fontes.

Lamentamos não haver dados suficientes para uma biografia mais completa, mas esperamos que esse breve material dê um vislumbre geral de sua vida.

Recomendamos aos interessados que leiam “Uma Entrevista com Israel Regardie”, onde podemos obter uma visão mais completa sobre as ideias deste que foi um dos maiores nomes da Tradição Esotérica do Ocidente nas últimas décadas.

Amor é a lei, amor sob vontade

Alan Willms,
Agosto de 2012 e.v.

Infância

Israel Regudy, mais conhecido atualmente como Francis Israel Regardie, nasceu em Londres, East End, Mile End Road (uma região pobre da cidade), em 17 de novembro de 1907, filho de um casal de imigrantes judeus ortodoxos.

Durante a Primeira Guerra Mundial um de seus irmãos mais velhos se alistou no Exército Britânico e o recrutador escreveu seu nome erroneamente como Regardie, sobrenome que mais tarde por algum motivo a família adotou.

Em agosto de 1921 os Regardies emigraram para Washington, D.C., Estados Unidos.

Introdução ao Misticismo

Durante a adolescência, através de algumas revistas que sua irmã trouxera para casa, teve seu primeiro contato com o nome de Helena Petrovna Blavatsky, e consequentemente, com a Teosofia, que despertou seu interesse, e o levou a romper com as ideias de sua religião imposta desde o nascimento – o judaísmo. Começou a frequentar assiduamente a Biblioteca do Congresso.

Blavatsky declarava que muitos de seus ensinamentos só poderiam ser compreendidos pelos “Adeptos”, então Regardie buscou uma forma de como se tornar um, e encontrou o Yoga como resposta.

Naquela época Regardie obteve aquilo que os orientais chamam de “Transe do Sofrimento”, que atinge tantos que iniciam suas buscas espirituais, e começou a estudar clássicos hindus como os Upanisads e o Baghavad Gita, que o levaram ao budismo e a textos como o Dharmapada e As Perguntas do Rei Mlinda.

Durante essa época, Israel decidiu se tornar um artista, e então começou a ter aulas numa escola de artes da Filadélfia, Pensilvânia.

Conheceu um rabi que se tornou seu professor de hebraico, uma matéria que o ajudou a começar a estudar o misticismo judeu, embora rejeitando sua religião original em seu aspecto mais tradicional.

Aos 18 anos, se candidatou a membro da Societas Rosicruciana In America[1], sendo iniciado como Neófito em 18 de março de 1926 e Zelator em 2 de junho de 1927.

Introdução à Magia

Israel esbarrou pela primeira vez com o nome “Aleister Crowley” durante uma leitura da Parte I de Liber ABA na casa de um amigo. Além de ser escrito em uma linguagem muito clara, o autor demonstrava realmente ser um yogi de sucesso, o que levou Regardie a entrar em contato com Crowley através de uma carta enviada aos editores do livro (um endereço de treze anos atrás). Oito meses mais tarde[2], recebeu uma resposta de Paris, que sugeria que entrasse em contato com certo Karl Germer de New York.

O jovem viajou até lá e ficou entusiasmado ao saber que Germer era um apaixonado e dedicado estudante de Crowley. Comprou dele os dez números disponíveis de O Equinócio, e assim foi introduzido ao assunto da magia.

Conforme o próprio Regardie disse, esse contato com a magia mudou a sua vida. Eventualmente descobriu que a arte não era a carreira de sua vida, e iniciou neste novo mundo.

Francis se tornou um bom amigo de Germer, até que isso culminou em Crowley convidá-lo para ser seu secretário, em Paris. No entanto, ele ainda não tinha 21 anos, e portanto era menor de idade. A única forma de conseguir um visto seria com uma autorização de seu responsável.

Para resolver a situação, inventou uma estória de que iria para a França estudar pintura com um artista inglês. Seu pai forneceu os documentos necessários, mas na última hora Regardie acabou forjando a assinatura dele para obter o visto.

Naquela noite de outubro de 1928, antes de pegar o navio para a França, Regardie jantou com Karl Germer, Cora Eaton (que seria esposa de Germer), Dorothy Elsen (uma ex-amante de Crowley) e com sua própria irmã, que no momento foi uma “estraga prazeres”, mas segundo ele nada poderia arruinar a sua noite.

Aleister Crowley

“Faze o que tu queres deverá ser o todo da Lei”.

Foi com estas palavras que aquele que na época era bombardeado pela imprensa como o homem mais terrível do mundo, um assassino, canibal, satanista, dentre outros títulos semelhantes, recebeu o jovem Francis, um garoto tímido, fechado, virgem, que reuniu suas economias e atravessou o oceano para estudar ocultismo sob a tutela de um homem tão infame.

Regardie tinha muitas expectativas de aprender com Crowley, e executava regularmente as práticas que havia aprendido, até mesmo na cabine do navio que improvisou como templo.

Edward encontrou-o em Gare St Lazare, Paris, e segundo Francis, sua descrição era completamente diferente daquela que se viam em jornais sensacionalistas. Seus olhos não eram  “intimidantes”, “hipnóticos”, “mesméricos”, “assustadores”, mas sim “pequenos, confortáveis, amigáveis e vivos”, nas palavras do mesmo.

No entanto, algumas coisas ainda assim intrigaram o garoto.

Segundo Gerald Suster, Israel lhe contou que:

Quando cheguei em Paris, eu tinha cerca de mil e duzentos dólares, minhas economias da vida inteira. Bem, de repente Crowley disse: “Você trouxe algum dinheiro junto, Regardie?” e como o jovem tolo que eu era, eu lhe cedi o dinheiro e ele foi e gastou em champanhe e  destilados – sempre o melhor pra ele – e eu nunca mais vi o dinheiro de volta. Exceto de outra forma. Mais tarde, quando fiquei preso em Bruxelas por meses porque eu não podia obter entrada de volta na Inglaterra, foi o velho homem que me sustentou financeiramente por todo aquele tempo, então tudo se resolveu bem. Então quando eu finalmente cheguei na Inglaterra, ele tinha algumas libras, de modo que me enviou ao seu alfaiate na Jermyn Streeet, como eu me lembro: “Uma pessoa precisa de um bom terno na Inglaterra, Regardie”, disse ele. “Mande que façam um e diga-lhes que me mandem a conta”.

Regardie ficou um pouco perturbado com o primeiro jantar com Crowley e Miroslava, que havia vindo da Polônia. A refeição foi servida de maneira tão cerimoniosa que ele não sabia quais talheres usar. Enquanto o conhaque rolava, eventualmente “Crowley saltou sobre Miroslava e eles caíram no chão e começaram a se comer como dois animais ali bem na minha frente. Hoje isso não me incomodaria nem um pouquinho, mas naquela época... Fiquei tão chocado, que acho que simplesmente saí de fininho da sala”.

Certa noite, Miroslava jantou com Regardie, disse que havia feito as malas e lhe encarregou de dar a notícia a Crowley, de que ela estava partindo. Este recebeu a notícia impassivelmente, dizendo “O Senhor deu. O Senhor tomou. Abençoado seja o nome do Senhor”. Este logo encontrou uma substituta em Maria Teresa de Miramar, uma Alta Sacerdotisa de Vodu da Nicarágua.

Um visitante frequente desta “família” era Gerald Yorke, outro nome bem conhecido no meio thelêmico, também discípulo de Crowley na época:

Yorke e eu nunca tivemos muito em comum. Havia apenas alguns bate-papos amigáveis distantes. Nosso único laço de união era o nosso interesse em comum em Crowley, doutra forma nós nunca teríamos nos encontrado. Mas eu me lembro, em uma ocasião em que eu ou ele nos abrimos um para o outro, e nós mutuamente confessamos nossas preocupações latentes sobre a possibilidade de que o “velho garoto”, como nós o chamávamos, tentasse alguma peraltice homossexual com algum de nós. Ambos ficamos aliviados em descobrir que compartilhávamos essa ansiedade... E ficamos ainda mais aliviados de que nada realmente aconteceu.

Ambos ficaram maravilhados com sua maestria do xadrez. Ele poderia jogar contra ambos, em outra sala tomando conhaque, mantendo uma imagem mental de cada tabuleiro, e era capaz de vencer ambos ao mesmo tempo.

Os deveres de secretario de Regardie não eram muito difíceis ou extensos, sendo a principal preocupação na época a publicação de Magick em Teoria e Prática, mas uma de suas primeiras cartas, para um destinatário anônimo, Regardie comenta que:

no final da carta, no último parágrafo, ele adicionou despreocupadamente, algo para o efeito de que você deveria considerar examinar suas unhas com mais cuidado. Outras pessoas fazem isso, e o julgam de acordo. Uma manicure ocasional poderia provar ser mais do que útil, etc. e etc.

Em minha estupidez e mente esquecida, eu datilografei tudo isso, nunca percebendo que ele estava fazendo isso por minha causa, e que ele não queria ferir meus sentimentos chamando-me a atenção para o fato de que minhas unhas eram malcuidadas, e que a aparência geral de minhas mãos poderia ser melhorada. Não me ocorreu essa ideia até anos mais tarde, que isso foi um meio que ele utilizou para me ajudar.

Crowley também tentou ajudar Regardie a superar sua timidez. Ele o aconselhou a deixar de lado por algum tempo o seu interesse em Magia e Misticismo em favor de trilhar e trabalhar seu caminho pelo mundo para se familiarizar com todo vício concebível. Regardie não seguiu a sugestão, e anos mais tarde disse: “Eu acho que seus insights eram soberbos, mas as suas técnicas para lidar com problemas neuróticas eram lamentavelmente inadequadas”. No entanto, Crowley insistiu que ele perdesse sua virgindade e de uma forma ou de outra insistiu em que procurasse prostitutas.

Para a surpresa de Regardie, Crowley não ofereceu nenhuma instrução técnica sobre Magia e Yoga. “Eu ficava e esperava que o velho dissesse: ‘Certo! Mostre-me como você faz o Pentagrama’. Mas ele nunca disse. E eu era tímido demais para incomodá-lo”. Este foi o problema, uma vez que Crowley já não se preocupava mais com iniciantes, e esperava que eles trabalhassem por conta própria, consultando-o quando fosse necessário, neste caso ajudaria com todo prazer. Crowley passava a maior parte do tempo lendo histórias de detetive, e Regardie se sentia negligenciado.

Gerald Suster comenta que Regardie levou muitos anos para entender essa mecânica, mas que ele agia da mesma forma quando o conheceu.

No entanto, esse desapontamento não evitou que Regardie estudasse todos os documentos e livros que estavam disponíveis na casa, obtendo um conhecimento enciclopédico das obras de Crowley e correlatas; além de tomar seu mote mágico de “A Serpente”[3] e começando seu trabalho no sistema da A∴A∴.

Por volta de março de 1929, sua irmã, que acabou dando uma olhada nos livros de Crowley que seu irmão tinha deixado em casa, se aterrorizou. Foi até o consulado francês em Washington, e contou alguma estória absurda sobre os perigos que seu irmão corria, e estes lhe prometeram que investigariam a situação.

Como resultado, um inspetor os visitou em seu apartamento em Paris, e inclusive levou algum tempo para ser convencido de que uma “estranha máquina” não era usada para preparar drogas, mas sim para moer grãos de café. Piorando a situação, Regardie não havia obtido uma identidade francesa. A situação chegou a um ponto onde, segundo Louis Wilkinson em Seven Friends:

ofereceram-lhe (a Crowley) uma substancial quantia de dinheiro para elaborar horóscopos para uma garota e um homem, com indicações de que os dois eram excepcionalmente aptos um para o outro e destinados a um casamento feliz. Isso foi sugerido por um sale individu que teria uma comissão considerável se o casamento acontecesse: a garota era rica. Crowley, naquela época particularmente difícil, recusou. O indivíduo então disse que poderia e iria evitar que ele tivesse o visto renovado se ele não fizesse o horóscopo. Crowley, sabendo que assim seria, sabendo da influência do homem sobre as autoridades em questão, mesmo assim recusou...

No dia 8 de março de 1929, uma refus de séjours foi providenciada para Crowley por ser um espião alemão e um viciado em drogas, para Maria de Miramar por estar associada a ele e para Regardie por estar associado a ele e por não ter uma carte d’identité válida. Crowley afirmou que estava doente para ganhar mais tempo, mas Miramar e Regardie tiveram que sair do país em até 24 horas, pegando um barco em direção à Inglaterra. Embora o próprio Regardie fosse natural da Inglaterra, tiveram sua entrada recusada, já que seriam “estrangeiros indesejados”, devido à associação com Crowley. Então foram para a Bélgica, de onde foram para Bruxelas.

Eventualmente Crowley teve que sair da França, porque seus apelos logicamente não surtiram efeitos, seguindo para a Inglaterra, onde encontrou Gerald Yorke. De lá partiu para Bruxelas, onde Regardie o encontrou com certo receio, visto que teve um caso com Miramar na ausência dele.

Regardie permaneceu ali, datilografando o The Confessions of Aleister Crowley que seria publicado em breve, enquanto o casal foi para a Alemanha, onde se casaram, facilitando a entrada dela na Inglaterra. Por volta de novembro, Regardie também conseguiu entrar no país, se juntando ao casal em sua casa em Knockholt em Kent.

Não era um lar sereno de modo algum... Eu encontrei Crowley doente com um grave ataque de flebite, enquanto Marie sofria de colite, tédio e solidão, e bebidas em excesso... Marie lidava com seu tédio não apenas através da ingestão de álcool, mas também pintando à óleo, um negócio bastante bagunçado e improdutivo.

A principal preocupação de Crowley na época era a The Mandrake Press, elaborada por Percy Reginald Stephensen (amigo, vizinho e admirador de Crowley) e certo Sr. Goldstein, para publicar as obras dele, numa época em que a maioria das livrarias não queria nada com Aleister. Após alguns títulos, encontraram certa resistência, tendo uma proposta de romper essa barreira através de uma “defesa” que seria publicada em The Legend of Aleister Crowley, de P. R. Stephensen (mas que foi também em grande parte elaborada por Israel Regardie e pelo próprio Aleister Crowley, que coletou o material – uma série de artigos de jornais elogiando e defendendo o mesmo). No entanto, aparecendo em 1939, vendou muito pouco, fez pouco quanto ao objetivo, e finalmente a editora acabou.

Primeiras Obras

Crowley não tinha mais condições de manter Regardie como seu secretario, então os dois se afastaram amigavelmente. Israel logo conseguiu emprego como secretario de Thomas Burke, que incentivou o jovem a procurar uma editora para o seu primeiro livro, Um Jardim de Romãs, rascunhado em 1931 e publicado em 1932, dedicado a Crowley (Ankh-f-n-khonsus, Marsyas),

Um Jardim de Romãs, como o próprio Regardie afirma, era uma coletânea de todas as suas notas sobre Cabala, em grande parte advindas da obra de Aleister Crowley, Arthur E. Waite, Eliphas Levi e D. H. Lawrence.

O primeiro livro foi sucedido por A Árvore da Vida, no mesmo ano, que é uma bela introdução às concepções de Crowley, porém em uma linguagem mais acessível. (Mesmo assim, Regardie confessou ter escrito o livro de uma forma bruta, devido à sua falta de educação acadêmica e capacidade de escrever em um estilo mais simples e claro, que é uma de suas melhores marcas em suas obras mais recentes).

O livro recebeu uma crítica muito amarga no Saturday Review de Londres, em dezembro de 1932, por um comentador anônimo, que foi respondido por um certo Dr. Graham How, MD, que se tornou amigo de Regardie e pode ter influenciado seus posteriores estudos sobre a psicologia.

Nesta mesma época também fez amizade com Dion Fortune, cujos livros admirava, embora tenha dito que achou desapontador quando a conheceu pessoalmente. Dion também gostava de seus livros, e argumentava que a maioria do segredo no ocultismo era desnecessário.

Seu livro A Árvore da Vida causou certa impressão, tendo inclusive recebido correspondências de E.J. Langford-Garstin, membro da Alpha et Omega (uma das ordens dissidentes da Golden Dawn) exigindo que nunca mais mencionasse o nome “Golden Dawn” por escrito.

Eventualmente, com o apoio de Fortune, acabou se encontrando com alguns representantes da Stella Matutina (outra dissidência da Golden Dawn), e assim começou outra fase muito importante de sua vida.

A Aurora Dourada – A Ordem

Tomando o mote de Ad Majorem Adonai Gloriam, Regardie começou a trilhar os degraus da Stella Matutina em 1933, sendo iniciado no Templo Hermes, obtendo rápido progresso. Logo obteve o grau de Theoricus Adeptus Minor, em 1934, mas estava grandemente desapontado com a forma como os líderes conduziam a ordem, um deles clamando ter alcançado o 7=4 enquanto outro até mesmo o 9=2. Nas palavras de Regardie, em seu What You Should Know About the Golden Dawn (que precederia o seu “A Aurora Dourada”):

A raiz do problema, à parte dos equívocos com graus bem como da maldição da vaidade, era, é claro, que o trabalho só era realizado superficialmente. Ninguém realmente se importava nem um pouco com Magia e desenvolvimento espiritual. Ninguém realmente se esforçava para adquirir a maestria de alguma técnica. Graus, e somente os graus, eram o objetivo.

Regardie, que acreditava na eficácia do sistema original, se viu em um dilema de ou deixar esse sistema na mão de tais pessoas, ou romper seu juramento de segredo e abrir o sistema para o mundo todo.

Assim, em fevereiro de 1935, escreveu My Rosicrucian Adventure (mais tarde republicado como What You Should Know About the Golden Dawn), onde conta a história com os pingos nos i’s, e justifica o que estava prestes a fazer.

Rompimento com Crowley

Foi somente em 1937 que os dois romperam laços, quando Regardie mandou uma edição de um dos seus livros mais recentes para Crowley, que respondeu fazendo piadinhas com o nome “Francis” que Israel havia adotado, com insinuações antissemitas, e o chamando de “Frank”.

Suas insinuações me deram nos nervos. Entre os meus traços característicos mais fracos no momento, estava uma sensibilidade à crítica, válida ou inválida. Ela ainda habita dentro de mim, embora os anos que se passaram a tenham reduzido consideravelmente. Mas naqueles dias eu era inclinado a ser mais cabeça quente do que sou agora, então eu reiterei tão sordidamente quanto achei que ele havia me repreendido.

“Querida Alice, Você realmente é uma vadia desprezível!”, foram as palavras que abriram sua resposta, segundo Gerald Suster.

Crowley tomou essa carta como uma zombaria de suas tendências homossexuais e nunca perdoou Regardie por isso. Sua vingança foi o seguinte documento que ele enviou para os amigos e conhecidos de Regardie:

Israel Regudy nasceu nas vizinhanças de Mile End Road, em uma das favelas mais desprezíveis de Londres.

Deste fato ele estava morbidamente consciente, e sua vergonha racial e social amarguraram sua vida desde o começo.

“Regardie” é uma mancada de um sargento recrutador em Washington na ocasião em que seu irmão se alistou para o Exército dos Estados Unidos. Regudy adotou esse erro como sendo menos judeu. “Francis”, que ele agora adotou, parece ser uma pura invenção.

Por volta do ano de 1924 ele começou a estudar as obras de, e a se corresponder com, Sr. Aleister Crowley. Ele edificou um apelo tão plausível que o cavalheiro anterior pagou a sua passagem da América e o aceitou como um estudante regular de Magia.

Deixando de lado seu complexo de inferioridade, descobriu-se que ele sofria de uma grave constipação crônica, e medidas foram tomadas para que ele se curasse disso e também de seu hábito crescente de masturbação.

A cura no primeiro caso foi um sucesso, mas Regudy abusou de sua liberdade frequentando alguns arcos da ferrovia e adquirindo uma gonorreia intratável.

O Sr. Crowley o supriu de abrigo, comida e vestuário por mais de dois anos, e finalmente esteve apto a obter um bom emprego para ele como Escriturário e Secretário de uma firma de editores.

Regudy traiu, roubou e insultou seu benfeitor.

Por alguns anos sua vida foi de alguma forma obscura, mas ele parece ter vagado pela maior parte do oeste da Inglaterra como um mendigo, vivendo de caridade, de acordo com os relatos de alguns, de várias mulheres de idade; de acordo com outros, de algumas ordens religiosas obscuras.

Seus estudos sobre a Cabala e a Magia o permitiram-lhe insinuar-se com Dion Fortune, e o recolheu da miséria e o ajudou de toda forma possível.

Ele traiu, roubou e insultou sua benfeitora.

Estando agora um pouco mais sobre seus próprios pés, ele esteve apto a se mover um pouco mais livremente, e logo tratou de arranjar amizade com uma senhora de meia-idade ocupada com variedades de “cura” por massagem e outros meios. Ele passou para esse tipo de atividade humana, e adquiriu consideráveis somas de dinheiro. Assim ele esteve apto a trair, roubar e insultar sua benfeitora, ir para a América, e começar um charlatanismo próprio.

Esta carta devastou Regardie, que ainda via Crowley como uma espécie de figura paterna, e teve ampla circulação, inclusive tendo sido reenviada anonimamente a ele em 1969. Foi publicada em seu The Eye in the Triangle em 1970.

A Aurora Dourada – O Livro

Entre 1938 e 1940 foram publicados os quatro volumes do The Golden Dawn pela Aries Press de Chicago, que vendeu muito pouco na época. Até mesmo vinte anos depois, ainda era fácil de obter uma cópia diretamente na editora.

Com a publicação deste livro, Regardie foi severamente criticado pelos membros da ordem, porém por outro lado forneceu o material base que viria a ser usado por muitos dos grupos modernos que conhecemos hoje, que põe em prática o sistema da Golden Dawn.

Conforme disse King e Sutherland em The Rebirth of Magic:

Que o renascimento da magia oculta tomou lugar do jeito que foi, pode-se atribuir grandemente aos escritos de um homem, Dr. Francis Israel Regardie.

Introdução à Psicologia

Dentre outros estudos, com seu interesse crescente em psicologia, estudou a psicanálise de Dr. E. Clegg e Dr. J. L. Bendit, foi treinado no sistema junguiano, se submeteu à análise Freudiana e se tornou um analista leigo.

Seus estudos foram incentivados por diversos motivos: a aderência da psicanálise ao “Conhece-te a ti mesmo”; uma busca de métodos pelos quais pudéssemos transformar uma psique limitada e inibida em uma livre e num indivíduo completamente integrado, que vive o “Seja você mesmo”; além disso, apesar de seus consideráveis resultados, ainda possuía algumas limitações que queria superar; também, buscava nisso uma cura para a sua asma (que Suster chama de “a doença dos ocultistas”), o que não obteve.

Apesar de suas fontes, Regardie discerniu entre os pontos que considerava proveitosos ou não dos autores estudados, criando sua própria ideia de psicanálise.

Nas palavras de Suster:

Foi deixado para Regardie o emprego da terminologia mais elástica e pular da psicanálise. Em seu ensaio, ele estressa a sanidade essencial da Magia. Viajem no Astral? Uma exploração do Inconsciente. Divinação? Consciência dos ritmos do Inconsciente coletivo. Evocação? A alucinação, através de psicodrama, de um complexo, a energia do qual é reintegrada na psique. Invocação? Contato com um arquétipo. Iniciação? Individuação. Em outras palavras, a Magia é uma forma dinâmica de psicologia aplicada. Existem muitos que concordariam com essa eminentemente sã posição e os argumentos de Regardie aqui são convincentes e persuasivos: mas os praticantes frequentemente acham que esse reducionismo tira a magia da Magia.

Misticismo Cristão

Regardie havia experimentado o misticismo hindu, budista e judeu. Agora chegaria a vez do cristão.

Um dos nomes que mais lhe chamava a atenção era São Francisco de Assis, por sua visão positiva da natureza (ao contrário da visão de um mundo de “dor e tormentas”). Seus amigos identificaram sua visão de mundo com a do santo, daí saiu o nome “Francis” (Francis of Assisi, para os falantes de inglês), que usavam para falar dele, criado por uma mulher mais velha com quem ele se relacionava, e que ele adotou. Esta seria uma das mulheres que ele diz mais ter influenciado sua vida.

Regardie também estudou o Movimento Novo Pensamento e a Ciência Cristã de Mary Baker Eddy.

Apesar da mitologia e conceitos cristãos que não se encaixam com o caminho iniciático, Regardie achava que alguns pontos destes sistemas poderiam ser bem aplicados e que seus métodos de cura de fato funcionavam, e compilaria suas ideias sobre o assunto em The Romance of Metaphysics em 1946, que mais tarde foi revisado e reimpresso como The Teachers of Fulfillment.

Alquimia

A visão inicial de Regardie era baseada na de Crowley, de que a correta interpretação do assunto estaria baseada na magia sexual. Nestes anos vindouros, ele viria a publicar seu estudo comentativo sobre três textos da perspectiva de Attwood e Jung sobre o assunto: The Philosopher’s Stone. Seu ponto de vista não era o químico (transmutação do metal físico em ouro), mas o da psicologia analítica.

No entanto, em sua introdução à nova edição, seu ponto de vista mudou, acreditando que a alquimia poderia sim lidar com elixires e metais físicos preparados em laboratórios.

Ele preparou o seu laboratório e começou a conduzir experimentos, mas acabou sofrendo com uma explosão que injuriou seus pulmões, causando dispneia, da qual depois disso sofria intermitentemente. Não se sabe de seus posteriores resultados com seus experimentos.

Temendo uma guerra europeia, em 1937, se mudou de volta para os Estados Unidos da América.

Quiropraxia e Psicologia

Ao chegar de volta aos EUA, começou a se envolver com a obra e psicoterapia de Wilhelm Reich, inclusive se correspondendo com Eva, filha de Reich.

Obteve uma graduação em psicologia do Chiropractic College of New York City, formando-se em 1941.

De 1942 a 1945, juntou-se ao exército, algo que mais tarde lamentou.

Estudou psicoterapia com o Dr. Nandor Fodor, após a guerra cursou o doutorado em psicologia, e se mudou para Los Angeles em 1947, onde montou um consultório quiroprático, e eventualmente realizava curas e psicoterapia para quem se interessasse. Na mesma época foi professor de psiquiatria no Los Angeles College of Chriopractic, e contribuiu com artigos para periódicos sobre o assunto.

Reatando com Crowley

Em 1951 Regardie, que nunca mais fizera as pazes com o falecido Aleister Crowley, comprou a biografia escrita por John Symonds, The Great Beast, muito tendenciosa do ponto de vista de Crowley como uma pessoa perversa. Ao invés de se deleitar com os ataques de Symonds, Regardie ficou desgostoso[4]. Começou a repensar sobre tudo o que tinha acontecido, sobre o papel da Besta em sua vida, e finalmente deixou pra trás o conflito que surgira entre eles.

Por volta desta época, começou a editar várias obras de Crowley, dentre elas: Book Four (partes I e II); The Holy Books, três dos Livros Sagrados de Thelema; AHA!, com um comentário; The Vision and the Voice, com os comentários de Crowley e os seus próprios; The World’s Tragedy; The Best of Crowley, uma coletânea das peças literárias que ele mais gostava; Magick Without Tears; e Gems from the Equinox, uma reunião das pérolas da série O Equinócio, que na época era quase impossível de se obter. Mais tarde também surgiriam outros, como The Law is for All, os comentários sobre O Livro da Lei.

Sexo, Drogas e Ocultismo

Nos anos 1960 Regardie viveu a década da moda do ocultismo e das drogas psicodélicas, quando publicou uma reunião e comentário de dois artigos de Crowley sobre a Canabis extraídos de O Equinócio: Roll Away the Stone.

Nessa época também publicou algumas de suas obras mais conhecidas à parte da Golden Dawn, como Twelve Steps to Spiritual Enlightment (reimpresso e revisado mais tarde como One Year Manual), A Practical Guide to Geomantic Divination e How to Make and Use Talismans.

Em 1980 a Falcon Press (EUA) e a Aquarian Press (Inglaterra) publicaram o seu Ceremonial Magic: A Guide to the Mechanics of Ritual, uma nova visão do ponto de vista solitário dos rituais da Golden Dawn.

Esta série de livros, apesar de ter rendido pouco dinheiro, trouxe toda sorte de atenção indesejada de fanáticos e pessoas desequilibradas. Regardie havia chegado a compilar as cartas que recebia em um livro que pretendia publicar: Liber Nuts. Chegou inclusive a ser assaltado em 1981, perdendo vários livros e artigos raros.

No mesmo ano se aposentou e se mudou para a colônia de artistas de Sedona, Arizona.

A Aurora Dourada – O Livro Definitivo

Neste ano forneceu “consultoria” a um grupo de pessoas que pretendia estabelecer um grupo da Golden Dawn em Los Angeles, insistindo fortemente que os membros passassem por psicoterapia como um pré-requisito. Mais tarde foi confrontado por uma das organizadoras comentando que  sugeriram estabelecer um “código de conduta moral”, o que ele repudiou. Eventualmente o grupo cresceu e decaiu alguns anos depois.

Após um insight espiritual e o surgimento de material inédito durante as últimas décadas, chegou à conclusão que deveria reescrever uma de suas maiores obras, que seria republicada em 1984 como The Complete Golden Dawn System of Magic.

A Grande Festa

Em 10 de março de 1985, enquanto jantava em um restaurante com um de seus amigos, Regardie falece de ataque cardíaco, aos 77 anos de idade.

Suas amizades, ao longo da vida, incluíram pessoas como Dr. Robert Anton Wilson, Gerald Yorke (que não era mais só um “conhecido”), Phyllis Seckler (Soror Meral) e o Major Grady McMurtry (anterior califa da O.T.O., que inclusive contatou Regardie e Yorke quando resolveu ativar seus poderes emergenciais para reestabelecer a Ordem).

Linha do Tempo

1907 – Nasce em 17 de novembro, na Inglaterra.

1921 – Se muda com a família para os EUA.

1926 – Em 18 de fevereiro, se candidata a membro da SRIA, no Washington College. Em 18 de março é iniciado como Neófito.

1927 – É iniciado no grau de Zelator da S.R.I.A., no dia 2 de junho.

1928 – Em outubro vai morar com Crowley, como seu secretario, na França. No dia 28 de outubro assina o Juramento de Probacionista da A∴A∴ com o mote de “אהיה נחש לעמי” (Eheieh Nechesh Lämi).

1932 – Se torna secretário de Thomas Burke até 1934.

1933 – É iniciado na Stella Matutina.

1934 – Atinge o grau de Theoricus Adeptus Minor da Stella Matutina.

1935 – Começou a estudar psicologia analítica, passando por ela sob  as mãos de três diferentes psicólogos.

1937 – Rompe com Crowley. Retorna para os EUA. Começa a estudar quiropraxia no Columbia Institute of Chiropractic (hoje chamado New York Chiropractic College).

1941 – Se graduou no Chiropractic College de New York.

1942 – Se alistou no Exército no dia 28 de abril.

1944 – Foi dispensado do serviço militar e se mudou para a Califórnia em julho, procurando maiores oportunidades para a sua profissão de quiroprático.

1945 – Começou a lecionar para o Los Angeles College of Chiropractic (hoje chamado de Southern California University of Health Sciences).

1947 – Se muda para Los Angeles, Califórnia.

1952 – Saiu do Los Angeles College of Chiropractic, e começou a lecionar no Hollywood College of Chiropractic.

1981 – Se aposenta e se muda para Sedona, Arizona.

1985 – Falece em 10 de março, enquanto jantava com amigos em um restaurante.

Bibliografia

Esta bibliografia inclui livros do próprio Israel Regardie bem como obras que foram editadas ou introduzidas por ele, sendo a maior parte destas de Aleister Crowley. Tentamos tornar essa bibliografia tão completa quanto possível, mas talvez alguns itens não tenham sido incluídos na lista por desconhecimento nosso:

1930 – The Legend of Aleister Crowley (coautoria com Stephenson e Crowley).

1932 – A Garden of Pomegranates (Um Jardim de Romãs)

1932 – The Tree of Life (A Árvore da Vida)

1934 – The Art of True Healing (A Arte da Verdadeira Cura)

1936 – The Philosopher’s Stone

1936 – My Rosicrucian Adventure – reimpresso como What You Should Know About the Golden Dawn (1983)

1937 – The Golden Dawn (A Aurora Dourada)

1938 – The Middle Pillar (O Pilar do Meio)

1946 – The Romance of Metaphysics, depois reimpresso e revisado como The Teachers of Fulfillment (1983)

1964 – The Art and Meaning of Magic

1965 – Roll Away the Stone, uma coletânea de textos de Crowley sobre as drogas, retirados da série The Equinox

1965 – The Herb Dangerous

1965 – Be Yourself, the Art of Relaxation

1969 – Twelve Steps Towards Spiritual Enlightment, reimpresso como The One Year Manual (O Manual de Um Ano)

1969 – The Art & Meaning of Magic

1969 – AHA!, de Aleister Crowley, com comentários de Israel Regardie

1969 – The Holy Books, três dos Livros Sagrados de Thelema, recebidos por Aleister Crowley

1970 – The Eye in the Triangle (uma biografia de Aleister Crowley)

1972 – How to Make and Use Talismans

1972 – The Vision & The Voice, de Aleister Crowley, com comentários adicionais de Israel Regardie.

1973 – A Practical Guide to Geomantic Divination

1973 – Magick Without Tears, de Aleister Crowley, edição resumida.

1974 – The Qabalah of Aleister Crowley (mais tarde revisado como 777 & Other Qabalistic Writings of Aleister Crowley)

1975 – The Law is for All, de Aleister Crowley, sendo os comentários sobre O Livro da Lei.

1979 – Foundations of Practical Magic.

1980 – Ceremonial Magic: A Guide to the Mechanisms of Ritual

1982 – Gems from the Equinox, uma coletânea de textos da série The Equinox de Aleister Crowley

1982 – Healing Energy, Prayer and Relaxation (Energia de Cura, Oração e Relaxamento)

1983 – Lazy Man’s Guide to Relaxation

1984 – The Complete Golden Dawn System of Magic

1985 – The World’s Tragedy, de Aleister Crowley

Referências

  1. Chiropractic History Volume 27, No. 2 (2009).
  2. Goldendawnpedia. Israel Regardie. Retirado em 18 de março de 2012: http://www.goldendawnpedia.com/HistoryPages/Bios/IsraelRegardie.htm
  3. Hyatt, Cristopher S (1985). An Interview with Israel Regardie: His Final Thoughts and Views. Phoenix, Arizona: Falcon Press.
  4. Regardie-Hyatt Foundation. Biography on F. Israel Regardie. Retirado em 20 de junho de 2012: http://tribes.tribe.net/ceremonialmagick/thread/da505ec0-4126-49ef-acb5-0533ad5d8e28
  5. Regardie, Israel (1970). The Eye in the Triangle. St. Paul, Minn.: Llewellyn Publications.
  6. Regardie, Israel (2010). What You Should Know About the Golden Dawn. Las Vegas, Nevada: New Falcon Publications.
  7. Societas Rosicruciana in America, retirado em 18 de março de 2012: http://www.sria.org/israelregardie.htm
  8. Suster, Gerald (1990). Crowley's Apprentice: The Life and Ideas of Israel Regardie. York Beach, Maine: Samuel Weiser, Inc.

[1] Não confundir com a Societas Rosicruciana In Anglia, que só aceita mestres maçons.

[2] Outras fontes sugerem 18 meses.

[3] Suas correspondências como secretário geralmente eram assinadas com “Nechesh 358” (serpente, em hebraico, e seu valor gemátrico equivalente a Messias).

[4] Quase duas décadas depois surgiria a sua resposta: The Eye in the Triangle: An Interpretation of Aleister Crowley, que demonstra a atitude ambígua de Regardie em relação ao seu antigo instrutor.

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