14º Æthyr: UTI
Este artigo é um capítulo de A Visão e a Voz
O clamor do décimo-quarto Ar ou Æthyr, chamado UTI
O Clamor do 14º Æthyr, chamado UTI ¶
Apareceram na pedra um bode branco, um dragão verde e um touro pardo. Mas eles morrem imediatamente. Há um véu de tanta escuridão diante do Æthyr que parece impossível perfurá-lo. Mas há uma voz que diz: Eis que o Grande da Noite do Tempo se agita, e com sua cauda ele agita o lodo, e de sua espuma ele fará estrelas. E na batalha da Píton e da Esfinge a glória será da Esfinge, mas a vitória da Píton.
Agora, o véu de escuridão é formado por um enorme número de véus pretos extremamente finos, e devem ser rasgados um de cada vez. E a voz diz, Não há luz, nem conhecimento, nem beleza, nem estabilidade no Reino do Túmulo, aonde vais. E o verme é coroado. Tudo o que tu eras ele devorou, e tudo o que tu és será o pasto dele até amanhã. E tudo o que tu serás não é nada. Tu que queres entrar no domínio do Grande da Noite do Tempo, este fardo deveis assumir. Não te aprofunde em nenhuma superfície.
Mas eu continuo rasgando o véu para que eu possa contemplar a visão de UTI e ouvir sua voz. E há uma voz: Ele tirou o grão preto. E outra voz responde: Doutra forma ele não poderia plantar a Rosa. E a primeira voz: Ele bebeu das águas da morte. A resposta: Doutra forma ele não poderia regar a Rosa. E a primeira voz: Ele se queimou no Fogo da vida. E a resposta: Doutra forma, ele não poderia expor a Rosa ao sol. E a primeira voz está tão fraca que não consigo ouvi-la. Mas a resposta é: Doutra forma ele não poderia colher a Rosa.
E eu continuo lutando com a escuridão. Agora há um terremoto. O véu se rasga em milhares de pedaços que saem voando em um redemoinho de vento. E há um Anjo todo glorioso diante de mim, de pé no sinal de Apófis e Tifão. Em sua Testa há uma estrela, mas tudo ao seu redor é escuridão e o som de bestas. E há lampiões se movendo na escuridão.
E o Anjo diz: Parta! Pois tu deves invocar-me apenas na escuridão. Nela aparecerei e te revelarei o Mistério de UTI. Pois seu Mistério é grande e terrível. E não será dito à vista do sol.
Portanto, eu me retiro. (Até então a visão ocorria sobre Dā’leh Addin, uma montanha no deserto perto de Bou Saâda.)
3 de dezembro,
14h50 às 15h15.
O Anjo reaparece. ¶
A escuridão se acumula ao redor, tão densa, tão aderente, tão penetrante, tão opressiva, que todas as outras trevas que eu já concebi seriam como uma luz brilhante ao lado dela.
Sua voz vem em um sussurro: Ó tu que és o mestre dos cinquenta portões do Entendimento, não é minha mãe uma mulher negra? Ó tu que és mestre do Pentagrama, o ovo do espírito não é um ovo preto? Aqui reside o terror e a dor cega da Alma, e vede! mesmo eu, que sou a única luz, uma faísca apagada, permaneço no sinal de Apófis e Tifão.
Eu sou a cobra que devora o espírito do homem com a lascívia de luz. Eu sou a tempestade cega na noite que envolve o mundo em desolação. Chaos é meu nome, e escuridão densa. Saiba tu que a escuridão da terra é avermelhada e a escuridão do ar é cinza, mas a escuridão da alma é pretidão total.
O ovo do espírito é um ovo de basilisco, e os portões do entendimento são cinquenta, esse é o signo do Escorpião. Os pilares ao redor do neófito são coroados com chamas, e a cripta dos Adeptos é iluminada pela Rosa. E no abismo está o olho do falcão. Mas o Mestre do Templo não encontrará nem estrela nem lua sobre o grande mar.
E eu estava para responder-lhe: “A luz está dentro de mim”. Mas antes que eu pudesse enquadrar as palavras, ele me respondeu com a grande palavra que é a Chave do Abismo. E ele disse: Entraste na noite; ainda cobiçais o dia? Sofrimento é meu nome, e aflição. Estou cingido de tribulação. Aqui ainda está pendurado o Crucificado, e aqui a Mãe chora pelos filhos que não deu à luz. Esterilidade é meu nome, e desolação. Intolerável é a tua dor e incurável a tua ferida. Eu disse, Que a escuridão me cubra; e eis que estou rodeado por uma escuridão que não tem nome. Ó tu, que lançaste a luz à terra, assim deveis fazer para sempre. E a luz do sol não brilhará sobre ti, e a lua não te emprestará do brilho dela, e as estrelas estarão escondidas, porque tu foste além destas coisas, além da necessidade destas coisas, além do desejo destas coisas.
O que eu pensava serem formas de rochas, mais sentidas do que vistas, agora parecem ser Mestres velados, sentados absolutamente imóveis e em silêncio. Nem pode ser distinguido qualquer um dos outros.
E o Anjo diz: Eis para onde o teu Anjo te conduziu! Tu pediste fama, poder e prazer, saúde e riqueza e amor, e força e longevidade. Tu sustentaste a vida com oito tentáculos, como um polvo. Tu procuraste os quatro poderes e os sete deleites e as doze emancipações e os vinte e dois Privilégios e as quarenta e nove Manifestações, e eis! tu te tornaste como um Destes. Curvadas estão as costas deles, sobre as quais repousa o universo. Velados estão os rostos deles, que contemplaram a glória Inefável.
Esses adeptos parecem Pirâmides – seus capuzes e mantos são como Pirâmides.
E o Anjo diz: Verdadeiramente a Pirâmide é um Templo de Iniciação. Verdadeiramente, também é uma tumba. Pensastes que havia vida dentro dos Mestres do Templo, que se sentam encapuzados, acampados pelo Mar? Verdadeiramente, não há vida neles.
As sandálias deles eram de luz pura, e eles as tiraram de seus pés e as jogaram no abismo, pois este Æthyr é solo sagrado.
Aqui nenhuma forma aparece, e a visão de Deus face a face, que é transmutada no Athanor chamado dissolução, ou martelada em uma forja de meditação, neste lugar é apenas uma blasfêmia e uma zombaria.
E a Visão Beatífica não existe mais, e a glória do Altíssimo não existe mais. Não há mais conhecimento. Não há mais bem-aventurança. Não há mais poder. Não há mais beleza. Pois este é o Palácio do Entendimento: pois tu és um com as coisas Primais.
Beba a mirra de minha fala, que está ferida com o rancor do roca, e dissolvida na tinta do choco, e perfumada com a mortal erva-moura.
Este é o teu vinho, que era bebido sobre o vinho de Iacchus. E como pão comerás sal, ó tu, do milho de Ceres que cresce! Pois assim como o ser puro é nada puro, assim é pura sabedoria pura —[1], e assim também o entendimento puro é silêncio, e quietude, e escuridão. O olho é chamado de setenta, e o Aleph triplo pelo qual tu o percebes, se divide no número da palavra terrível que é a Chave do Abismo.
Eu sou Hermes, que fui enviado pelo Pai para expor todas as coisas discretamente nestas últimas palavras que ouvirás antes de te sentares entre estes, cujos olhos estão selados e cujos ouvidos estão tapados e cujas bocas estão cerradas, aqueles que estão dobrados sobre si mesmos, de cujos corpos o licor se secou, de modo que nada resta senão uma pequena pirâmide de pó.
E aquela luz brilhante de conforto, e aquela espada penetrante da verdade, e todo aquele poder e beleza que eles fizeram de si mesmos, são expulsos deles, como está escrito: “Eu vi Satanás cair como um raio do Céu”. E como uma espada flamejante caiu no abismo, onde as quatro bestas observam e vigiam. E aparece no céu de Júpiter como uma estrela da manhã ou como uma estrela do entardecer. E sua luz brilha até mesmo à terra e traz esperança e ajuda aos que habitam nas trevas do pensamento, e bebem do veneno da vida. Cinquenta são os portões do entendimento, e cento e seis são suas estações. E o nome de cada estação é Morte.
Durante todo esse discurso, a figura do Anjo diminuía e tremeluzia, e agora se apagou.
E eu volto no corpo, correndo como uma chama em um grande vento. E a pedra-de-visão se aqueceu e nela está sua própria luz.
Bou Saâda.
3 de dezembro de 1909. 21h50 às 23h15.
Suponho que somente um Magus conseguiria ouvir esta palavra. ↩︎
Traduzido por Alan Willms em 2021. Revisado por Lucas Fortunato em 2021.