Eu Me Torno Invisível
Aleister Crowley continua a série em que conta a história de sua vida com a magia e o misticismo.
Eu Me Torno Invisível
Aleister Crowley
“O Pior Homem do Mundo”
The London Sunday Dispatch, 18 de Junho de 1933
Aleister Crowley na semana passada descreveu a sua iniciação em uma Ordem Secreta, como ele foi amarrado e vendado, obrigado a repetir um juramento formidável diante de oficiais de capuzes pretos, e se tornou “um novo ser nascido em um mundo novo”.
Após a minha iniciação eu me sentia como um bárbaro que acabou por vagar em uma fábrica de explosivos de alta potência. Eu tive que aprender as leis da vida todas de novo desde o começo.
Eu sempre penso no Os Primeiros Homens na Lua do Sr. Wells. Como agir quando as condições fundamentais da vida são alteradas? O perigo de cometer erros fatais está sempre presente.
Uma parte necessária da prática da magia é a invocação de seres Divinos e angelicais e a evocação de forças cegas, algumas das quais são consideradas “malignas” pelos incultos.
É claro que existem forças que são definitivamente maliciosas. Nunca será necessário que um magista lide com elas, exceto como um bacteriologista estuda germes de doenças para descobrir sua natureza e subjugá-los.
Em 1899 eu havia passado por sete estágios de iniciação. Estes me constituíram num Adepto, mas ainda ocorriam incidentes comigo.
Templo em um Apartamento de Londres
Eu construí um templo privado em um apartamento em Chancery Lane. Era uma sala de espelhos, cuja função era a de concentrar as forças invocadas. Ele continha um altar de acácia coberto com ouro e certos símbolos e insígnias secretos da Ordem.
Certa noite, após uma cerimônia em que um químico analítico famoso foi meu líder, eu tranquei a porta e saí com ele para uma refeição.
Quando voltamos a porta estava aberta, embora a fechadura não tenha sido forçada, e todo o conteúdo do templo havia sido atirado por todo lado e estava na mais desordenada confusão.
Então a diversão começou. Vimos — e meu professor foi capaz de identificar — centenas de formas, estranhos “rostos semiformes” que se amontoavam na sala, marchando em dança fantástica por seus limites.
Essas forças definitivamente eram maliciosas, demônios, que devemos estudar e conquistar.
Mais tarde, quando eu estava transferindo meus aparatos para a minha casa na Escócia, eu contratei dois trabalhadores para remover os espelhos. Enquanto trabalhavam eles foram subitamente subjugados, nocauteados por atacantes invisíveis. Demoraram-se várias horas para reanimá-los.
As pessoas que passavam pela porta de repente caíam em convulsões. Esse apartamento permaneceu sem um inquilino por vários anos depois que eu saí. Tudo isso foi porque eu não tinha experiência o suficiente para controlar as forças.
Foi sob direção do chefe da Ordem que então eu fui para a Escócia, para a minha mansão de Boleskine, que fica há duas ou três milhas das Cataratas de Foyers.
Meu objetivo secundário— o principal é sagrado demais para discutir — colocado em palavras simples era de obter controle sobre os “quatro grandes príncipes” do mal do mundo.
De acordo com as regras da magia, eu construí um terraço de frente para o norte e distribuí cargas de areia de rio nele.
Eu trabalhei na sala de café-da-manhã fazendo os talismãs que eram necessários para o meu propósito. O sol penetrava na sala, mas em vão; havia uma escuridão que podia ser sentida. Os demônios, as forças malignas, se reuniram em torno de mim tão densamente que eles estavam obscurecendo a luz. Era uma situação reconfortante. Não poderia haver mais dúvida quanto à eficiência da operação.
Mas eu continuei com meu trabalho, mesmo que eu tenha tido que acender uma lâmpada com o sol brilhando lá fora.
Os demônios também se reuniram na guarita que eu construí no terraço. Eles ainda eram formas vagas, rostos vistos pela metade. Me acostumei com eles.
Meu Caminho Perigoso para o Poder
Eles tiveram efeitos curiosos sobre a vizinhança. Parte da estrada principal de Inverness a Fort Augustus passava pela minha propriedade. Logo superstições sobre a estrada fez com que os cidadãos locais a evitassem. As pessoas se recusavam a usá-la após o anoitecer.
Até mesmo os operários fortes e beberrões de Glasgow que foram empregados na Foyers fariam um caminho mais longo para evitar aquela estrada misteriosa.
As forças tiveram outros efeitos piores. Um empregado (que não tocava o álcool há 20 anos) de repente se embebedou e tentou assassinar sua esposa e filhos. Este foi um de muitos casos semelhantes.
Em um verão mais de metade dos meus cães de caça morreram. Meus servos sempre estavam ficando doentes.
Um dos homens que eu empreguei para fazer os campos de golfe enlouqueceu e tentou matar a minha esposa.
Eu percebi, a esta altura, que o meu caminho para o poder deveria ser imensamente difícil e cheio de perigos. Mas eu não olhei para trás.
Eu comecei a minha peregrinação a países longínquos. O México foi o primeiro. Eu fui enviado para lá pelo chefe da Ordem para consagrar um sacerdote para servir à Lâmpada da Luz Invisível.
No México, também, eu fiz as minhas primeiras experiências na aquisição de invisibilidade. Invocando o Deus do Silêncio, Harpócrates, pelo ritual adequado na frente de um espelho, eu gradualmente cheguei ao estágio em que meu reflexo começou a piscar como nas imagens de um cinema antigo.
Nunca desapareceu completamente. Na verdade, essa experiência me mostrou que eu estava no caminho errado. O sucesso não estava em um desaparecimento óptico, mas sim no poder de fascinação. “Tendo olhos, não veem”.
Seja como for, eu era capaz de sair com um manto escarlate e dourado com uma coroa de joias na minha cabeça sem chamar qualquer atenção. Eles não podiam me ver.
Este foi o início de uma arte que me foi bem útil em Calcutá, anos depois. Enquanto eu estava caminhando pelo bairro local à noite, eu fui atacado por ladrões.
Quando eu vi uma faca brilhar eu pensei que isso já era demais; embora com as mãos restritas, eu consegui disparar meu revólver. Centenas de nativos despertaram pela imediata notícia de que me procurassem, mas eu fui capaz de andar despercebido dentre eles, e escapar.
Sacrifício na Cidade Sagrada
Minhas viagens me levaram ao Ceilão, onde eu me dediquei ao Yoga.
Eu obtive um bangalô em Kandy e fui orientado nos fundamentos da arte. O Yoga pode ser ensinado em oito palavras. “Sente quieto! Pare de pensar! Cale-se! Saia!” É o aprendizado que é difícil.
Meu sucesso com Yoga foi tão grande que se tornou perigoso. Para o meu próprio bem eu deixei ele de lado por dois anos, partindo do Ceilão e indo para a Índia.
Uma coisa curiosa aconteceu em uma ocasião. Em Madura eu entrei em um templo e sacrifiquei uma cabra. Logo depois eu apaguei completamente meus rastros por uma viagem marinha — uma grande tempestade estava assolando, e eu era a única pessoa a bordo do navio.
Algum tempo depois voltei para a Índia e visitei alguns amigos, que não sabiam nada sobre minhas atividades em Calcutá.
Disseram-me que os seus servos estavam animados sobre um conto estranho de que eu havia sacrificado uma cabra em Madura, a cidade mais sagrada do sul da Índia.
Entidade Toma Forma Humana
Como os habitantes locais obtiveram essa informação? Obtiveram pelo “telégrafo nativo”.
Então eu fui para o Egito, e — para minha surpresa intensa — fui convocado pelos chefes secretos da Ordem. Fui comandado a retornar para a Inglaterra para lá reconstruir o sistema da organização, já que a forma externa da Ordem havia desmanchado devido à queda de seu embaixador-chefe para o mundo “sem o véu”, e escrever os segredos.
De acordo com isso eu condensei e publiquei o conhecimento em um periódico chamado de O Equinócio. A sede nesta época era um estúdio em Victoria Street. Ali, em nosso tempo livre, começamos a celebrar os ritos de Elêusis.
Alguns desses ritos frequentemente se conectavam com resultados estranhos. Em diversas ocasiões vimos e sentimos um estranho entre nós, mas quando as luzes eram aumentadas, não havia mais ninguém lá.
Nossas cerimônias fizeram com que uma entidade tomasse a forma humana e fosse vista entre nós.
O sucesso destes rituais privados induziu-me a alugar o Caxton Hall para sete performances, que foram abertas ao público. Bottomley atacou os rituais como sendo obscenos e blasfemos. Ele só estava refletindo na imprensa a depravação de sua própria mente.
Invocando o Espírito de Marte
Uma garota tocava violino durante os ritos. Ela era um boa violinista, mas sob a influência das cerimônias, ela era mais; ela tocava sublimemente, como um gênio supremo, nas invocações mágicas dirigidas sobre ela.
Durante uma cerimônia, em julho de 1909, no estúdio em Victoria Street, nós invocamos Bartzabel, o espírito de Marte.
Um dos presentes era um homem de importância no Almirantado, um comandante cujo nome é conhecido demais para mencionarmos. Ele perguntou ao espírito, que havia sido invocado em um homem especialmente purificado e consagrado, se “nação se levantaria contra nação”.
Bartzabel respondeu que iria. Sendo questionado mais, o espírito disse que a guerra começaria dentro de cinco anos, e que as nações que seriam destruídas seriam a Turquia e a Alemanha.
Profecia da Primeira Guerra Mundial
Dentro de duas semanas do fim desses cinco anos a Grande Guerra eclodiu.
O homem da marinha era um Adepto da Ordem, e ele desempenhou um papel importante na luta. Sempre que os assuntos do mundo chegam a uma fase crítica os Adeptos sempre têm alguém nos bastidores.
Rudolph Steiner, o homem que foi responsável pela derrota da Alemanha, era o Grão-Mestre da O.T.O. na Áustria, uma ordem semimaçônica da qual eu era o Grão-Mestre na Inglaterra.
Steiner se desligou da Ordem, porque ele ficou apavorado diante de uma das provações que tinha que passar. Assim ele foi afastado da verdadeira magia, mas se tornou conselheiro secreto de Von Moltke.
A direção de Steiner resultou em Von Moltke não tomar Paris quando esta estava ao seu alcance, e esse erro custou à Alemanha toda a guerra.
Steiner provou sua incapacidade de se tornar um grande magista e foi enganado por poderes traiçoeiros, destruindo o seu país.
Na próxima semana exporei as abominações da Magia Negra e demonstrarei como são absurdas as acusações que ligam o meu nome com essas práticas.
Traduzido por Alan Willms