Exegese dos Textos Sagrados

Tirando maior proveito de documentos thelêmicos em Classe A.

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Exegese dos Textos Sagrados

A palavra exegese deriva do grego exhegeistai, que significa “extrair” ou “interpretar”. É comumente usado em referência à explicação ou interpretação acadêmica das escrituras bíblicas cristãs. No entanto, os princípios e as técnicas de exegese não são específicos de uma religião e podem ser úteis em Thelema, em nosso trabalho de chegar a uma interpretação ou compreensão pessoal dos livros sagrados thelêmicos, de escritos herméticos e outros textos esotéricos que lemos.

O cânone dos documentos em Classe A de Thelema é desafiador. Crowley era um aristocrata altamente educado e escrevia para um público que ele muitas vezes achava estar a par de seu conhecimento de cultura, história, arte e literatura. Além disso, os livros sagrados que são considerados em Classe A são textos recebidos que têm uma qualidade poética obscura. Eles podem fornecer um significado profundo para o Adepto em sua busca para encontrar a Verdadeira Vontade e o Conhecimento e Conversação, então faz bastante sentido para nós obter o máximo de significado possível destes textos sagrados. A exegese é um jeito de fazer isso. Existem muitos métodos diferentes e igualmente eficazes para fazer uma exegese de um texto. Eu recomendo uma abordagem simples:

  1. Invocação
  2. Leitura em camadas (contígua, literal, figurativa, simbólica, histórica/mitológica/literária)
  3. Gematria
  4. Ler os comentários
  5. Meditar

Comece com uma Invocação

Ritualizar a sessão de estudo com um Ritual Menor do Pentagrama ou uma invocação é uma maneira perfeita de aumentar a energia e definir o tom antes de embarcar nessa tarefa. Invocar Nuit, ou o Senhor do Universo, ou Thoth, parece adequado. Ou pode ser uma passagem inspiradora ou poderosa do Livro da Lei, ou alguma outra inspiração que pareça apropriada. Dependendo do texto específico, você pode invocar alguma força elemental ou astrológica em conexão com a leitura. Estes são apenas exemplos. A ideia é simplesmente aumentar a energia e abrir as portas para a inspiração e a compreensão.

Leituras do texto em camadas

Os Livros Sagrados são poéticos, densos e multifacetados e, como acontece com qualquer texto difícil, são necessárias muitas releituras para nos ajudar a entender o conteúdo. O processo de releitura com um propósito ou foco específico em mente é o que se entende por leitura em camadas. As técnicas de leitura em camadas podem ser familiares para aqueles que estudaram literatura e poesia na escola. As que recomendo são: contígua, literal, figurativa, simbólica e histórica.

Leitura contígua significa simplesmente ler o texto do começo ao fim. Sem pausas para pensar sobre ele; nenhuma análise; nenhuma interpretação. Leia várias vezes. Leia em silêncio. Leia em voz alta. Leia dramaticamente como se estivesse no palco ou realizando um ritual. Leia com sotaque estrangeiro, se quiser. A cada leitura, brinque com a ênfase que você coloca em palavras diferentes para ver como isso muda o fluxo ou o sentimento. A ideia é ficar bem familiarizado e se sentir confortável com o texto.

Uma leitura literal se concentra no significado literal de cada palavra com o objetivo de garantir que todas as palavras sejam compreendidas e identificar quaisquer palavras que você não conheça. Foque em frase por frase. Leia cada frase por conta própria, além do todo. Leia cada palavra por conta própria e certifique-se de que todas sejam 100% compreendidas. Tome nota de quaisquer palavras que tenham vários significados ou possam ter diferentes interpretações. Se alguma palavra não for familiar, pesquise-a. Começar no final de um parágrafo e ler de trás para frente, uma frase de cada vez, pode ajudar a interromper o fluxo narrativo e trazer à tona significados literais.

Dica avançada: comece sua exegese de um texto com uma leitura contígua, pois é essencial estar familiarizado com a escrita. A leitura contígua deve ser seguida de uma leitura literal para identificar palavras e certificar-se de que não haja palavras ou frases desconhecidas. Pense nisso como o fundamento de sua exegese. Depois disso, as leituras em camadas podem ser de outros tipos e realizadas em qualquer ordem. Você pode descobrir que um tipo de leitura levará a outro, ou pode precisar revisitar um tipo de leitura várias vezes à medida que as pistas e o significado forem revelados.

A próxima técnica é uma leitura figurativa. Quando lemos figurativa ou abstratamente, procuramos significados que estão implícitos no texto. A maneira como as palavras são usadas, ou a escolha de palavras, pode aludir a outra coisa. Pode haver camadas metafóricas de significado que não seriam necessariamente aparentes na superfície de uma leitura literal. Uma maneira pela qual a leitura figurativa ou abstrata entra em jogo é com palavras ou frases que têm mais de um significado. Outra maneira é identificar uma figura ou personagem, ou uma situação e procurar alusões ou contexto metafórico. Outro exemplo é sugerir pontuação ou adicionar pausas intencionais que podem mudar o significado. Essas abordagens alternativas levam a interpretações secundárias do texto, que podem revelar significados ocultos ou subtextos.

Aleister Crowley notoriamente refere-se ao sacrifício de crianças no Liber ABA. Este é um exemplo em que uma interpretação literal de seu senso de humor negro levou as pessoas a se desviarem do que se pretendia dizer. Escritores do final do século XIX e início do século XX muitas vezes escondiam conteúdo sexual por trás de referências a sangue. Veja também Drácula de Bram Stoker, onde as transfusões de sangue de Lucy pelos homens da história carregam um subtexto sexual.

Outro exemplo é o versículo III:74 em Liber AL vel Legis: “Há um esplendor em meu nome oculto e glorioso, como o sol da meia-noite é sempre o filho”. Esta linha contém uma série de referências figurativas. A fórmula de YHVH, Liber Resh e o ritual de IIIº da O.T.O. vêm à mente.

A leitura simbólica do conteúdo é muito semelhante a uma leitura figurativa, mas depende de arquétipos e símbolos estabelecidos. O uso de imagens, descrições ou objetos implica um significado diferente do literal. Muitas vezes, o conteúdo simbólico pode vir de referências culturais comumente conhecidas. Um exemplo óbvio do uso de símbolos em Liber XV, a Missa Gnóstica, é a lança e a taça. Alguns símbolos são comumente usados na literatura, como uvas ou vinho que podem simbolizar o êxtase espiritual, ou rios que podem ser um símbolo da vida ou do inconsciente. As referências cabalísticas também se enquadram nessa categoria.

Finalmente, leia em busca de quaisquer referências históricas, mitológicas ou literárias. Elas estão lá por uma razão. As referências devem ser cuidadosamente identificadas, estudadas e compreendidas, pois muitas vezes acrescentam substância e contexto. Leia todas as notas de rodapé e acompanhe quaisquer referências externas que não sejam 100% familiares.

Após cada leitura em camadas, certifique-se de anotar suas conclusões e descobertas!

Gematria

A Gematria pode ser uma maneira interessante e útil de interpretar e encontrar significado nos textos sagrados. Não vou entrar em muitos detalhes sobre a técnica aqui, pois a gematria é um tópico amplo. Existem diferentes sistemas para usar, o hebraico, o latim simplex, a cabala inglesa, e é uma boa ideia verificar mais de um significado. Ter uma cópia do 777[1], que contém o Sepher Sephiroth, é fundamental para o estudo da gematria. Em nosso treinamento mágico, faremos bem em aprender as letras hebraicas e seus significados e valores exatamente para este tipo de estudo.

Um exemplo disso em Liber AL vel Legis I:48: “Meu profeta é um tolo com seu um, um, um; não são eles o Boi, e nenhum segundo o Livro?”. Essa linha complexa faz referência ao valor das letras hebraicas que formam a letra Aleph, o significado oculto da letra e a carta do Louco no tarô, entre outras coisas.

Comentários

Ao longo dos anos, muitos dos livros sagrados de Thelema foram analisados e interpretados por outros. Ao fazer sua própria exegese, pode ser útil ler o que os outros escreveram. Crowley escreveu extensamente sobre o Livro da Lei em seu livro The Law is for All[2]. Outros comentários e análises desses textos também estão disponíveis na versão impressa ou online. O único cuidado aqui é lembrar que nem toda interpretação será 100% verdadeira e é necessário ter cautela, não aceitar aquilo como evangelho. Deixe sua própria certeza interior (fermentada por um ceticismo saudável) guiar suas interpretações.

Medite sobre o texto

A última técnica é a da meditação. É bom meditar sobre o texto depois de tê-lo lido tantas vezes em sua análise. Fazer isso pode trazer clareza e foco ao seu entendimento. Apenas sente-se por um tempo e concentre-se no que você lê com uma mente tranquila e aberta. Deixe que impressões e associações aleatórias sobre o texto cheguem até você. Anote-as e certifique-se de anotar esses pensamentos e associações quando terminar.


  1. «O autor se refere ao livro 777 & Other Qabalistic Writings of Aleister Crowley, editado por Israel Regardie. Originalmente, o 777 não continha o Sepher Sephiroth↩︎

  2. «Consulte a edição brasileira O Livro da Lei Comentado por Aleister Crowley, da editora Devainy,que reúne os vários comentários escritos.» ↩︎


Traduzido por Alan Willms.

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