Dedicatória e Contra-Dedicatória
Este artigo é um capítulo de Konx Om Pax
Dos opostos não-contraditórios.
Dedicatória e Contra Dedicatória ¶
Com Uma Nota Sobre Obscuridade
Quando o Neófito adentra o Caminho do Mal[1], ele é confrontado pelo grande anjo Samael. Em vão ele diz que veio de entre os pilares e que busca o Conhecimento oculto em Nome de Adonai; o anjo responde-lhe: “Eu sou o Príncipe das Trevas e do Mal. O homem perverso e rebelde contempla a face da Natureza e não encontra nada nela além de terror e obscuridade; para ele são apenas as trevas das trevas, e ele é apenas um homem bêbado tateando no escuro. Volte! pois tu não podes passar”.
Da mesma forma, quando o Neófito entra no Caminho do Bem, o grande anjo Metatron o reprende com as palavras: “Eu sou o anjo da Divina Presença. O homem sábio contempla o mundo material e vê nele a imagem luminosa do Criador. Ainda não podes suportar o brilho deslumbrante daquela Luz. Volte! pois tu não podes passar!” Essas trivialidades do misticismo bastardo dos saltimbancos, por mais rudes e imbecis que pareçam a quem “passou”, são curiosamente adequadas para minha presente intenção.
Ensaios sobre a Luz! – ouço alguém exclamar. Este homem era bastante obscuro antes, mas agora… continua o mesmo. Essa é a primeira vez em que escrevo sem nenhum cuidado com a lucidez. Pelo paradoxo usual, posso esperar que algum tolo solene afirme que nada nunca foi tão simples e (com um pouco de sorte) o resto dos tolos solenes – em suma, toda a Inglaterra – o sigam: até que Konx om Pax substitua Leitura sem Lágrimas[2] em todas as escolas de educação básica.
No entanto, supondo que isso acontecesse, como o mundo avançaria com isso? Não avançará de maneira alguma. Pois o brilho em que caminhamos será apenas escuridão densa para todos aqueles que não se tornaram tão cegos que a luz e as trevas são semelhantes. A luz sobre a qual escrevo não é a luz da razão; não é a escuridão da irracionalidade; é a L.V.X. daquilo que, primeiro dominando e depois transcendendo a razão, ilumina todas as trevas causadas pela interferência das ondas opostas do pensamento; não destruindo seu equilíbrio e assim mostrando uma luz falsa e parcial, mas sim superando suas limitações.
Que o pedante não exclame com Newman que eu evito a Cila de Sim e a Caríbdis de Não pelo Estreito do Sem-sentido[3].
Uma coisa não é necessariamente A ou não-A. Ela pode estar fora do universo de discurso onde A e não-A existem. É absurdo dizer que a Virtude é verde ou não é verde; pois a virtude não tem nada a ver com cores. Uma das definições mais sugestivas de KONX – a LVX dos Irmãos da Rosa Cruz – é que ela transcende todos os pares de opostos possíveis. Isso também não soa absurdo para aqueles que estão familiarizados com Aquela LVX. Mas para aqueles que não estão, isso deve (eu temo) permanecer tão obscuro e ridículo quanto é a trigonometria esférica para os habitantes de Planolândia[4].
Kant e outros observaram a semelhança de nossas mãos «uma conta a outra» e de nossos pés «um com o outro», e a impossibilidade de substituir seu semelhante no espaço tridimensional comum. Isso para eles sugeria um espaço no qual eles possam ser levados a coincidir.
Da mesma forma, um equilíbrio constante de todos os opostos imagináveis nos sugerirá um mundo em que eles são verdadeiramente um; de onde para aquele próprio mundo é apenas o passo mais curto.
Todas as nossas contradições são curvas coordenadas; elas estão em lados opostos do eixo, mas doutra forma são precisamente semelhantes, assim como no caso das mãos citado acima. Se não fossem semelhantes, não seriam mais contraditórios, mas sim contrários.
Pessoas que começam a pensar por si mesmas geralmente caem no erro de contradizer as ideias normais ensinadas por seus sêniores.
Desta forma, uma pessoa aprende que o casamento é certo e o adultério errado. Ela pensa e descobre a beleza do segundo, a sordidez do primeiro; talvez acabando, com um pouco de humor, por defender o casamento porque as delícias do adultério são impossíveis sem ele. De fato, essa atitude é boa o suficiente enquanto alguém está falando com bajuladores; mas aquilo que educa o clero (já que milagres ainda acontecem) pode ser algo que já é óbvio para uma atriz.
Devemos ir mais longe e perceber os dois lados da questão; então se abrirá para nós aquele mundo em que não há casamento e nem dedicação ao casamento, do qual o grande inimigo da moralidade de sua época falou tão eloquentemente.
Se na selva dois elefantes lutam vigorosamente, pouco importa quem vence; em vez disso, capture os dois, dome os dois, monte os dois, como o cocheiro do Tarô com suas esfinges opostas, preta e branca.
Nem acredite, ó homem, que a finalidade está em qualquer lugar que possa ser alcançado por palavras. Eu equilibro A e não-A (doravante a), e descobrindo que ambos são falsos e ambos são verdadeiros, transcendo com B. Mas seja o que for B, ele é tão falso e verdadeiro quanto b; chegamos a C. E assim de C a c, infinitamente. Não, como pensava Hegel, até que alcancemos uma ideia em que nenhuma semente de autocontradição se esconda; porque isso nunca pode ocorrer.
Então tudo aquilo que pode ser pensado é falso? (mais uma vez!) Sim, mas é igualmente verdadeiro.
Assim também estavam certos os antigos místicos que viam em cada fenômeno um demônio com cara de cão apto apenas a seduzir a alma para longe do mistério sagrado; certo, também, aqueles que “interpretam todo fenômeno como um trato particular de Deus com a alma”. No entanto, a última é a fórmula superior; o estreitamento do Círculo Mágico até se tornar um ponto é uma tarefa mais fácil do que a destruição desse círculo (e de tudo dentro e fora dele) pela irrupção de uma dimensão superior.
Ai de mim! mas de qualquer maneira, essa é a Última Etapa; A maioria de nós terá sorte se pudermos formular um círculo – qualquer círculo!
Nem tente, ó homem, transcender a razão ignorando-a. Tu deves passar pelo fogo até chegar a Adonai-Melekh, criança da terra! Não podes deslizar para nenhum dos lados. Somente quando a Destruição da Torre de Babel da Razão chegar como uma catástrofe real em tua carreira tu poderás escapar das ruínas. Do contrário, que resposta tens (ó místico perfeito!) a quem o médico fala de homens “auto hipnotizados em transes catalépticos”, a quem o historiador nega o teu Cristo ou Maomé, a quem o especialista em ética lança os seus grunhidos de “antissocial”; a quem, de fato, todos os homens, tu mesmo o principal, acusam de insanidade, de ignorância, de erro?
Nada além de um ceticismo infinito te salva aqui[5]. Não defenda o teu Cristo; ataque o lugar de teu oponente; desafie todas as premissas dele, conteste a validade de seus axiomas mais profundos, conteste sua sanidade, duvide de sua existência!
Em tua própria fórmula, ele é apenas um demônio com cara de cão, ou Deus.
Destrua ele ou seja ele: isso basta; não há mais nada a dizer.
Queridas crianças da terra, por muito tempo habitastes nas trevas; saí da noite e buscai o dia! Não procurai imitar a linguagem dos sábios; isso é fácil. Não existe uma estrada magnificente para a iluminação; o que eu digo sobre a Luz é verdadeiro para os filhos da Luz; para os das trevas é uma confusão e uma armadilha.
Se vós soubésseis a agonia que a ágil perspicácia de minha própria dialética era para mim, vós não me invejarias, ó cretinos! Pois eu temo sempre, sob pena de estar substituindo a verdade do pensamento pela mera proficiência da habilidade mecânica. Então, vendo o pensamento como medo, eu o extingo magistralmente. Daí surgem outras coisas más; o pensamento “Isso também é mera trapaça da mente?”, “Isso também é covardia?” e outros como resultado.
Assim, respondendo um por um, e de um a todos, a razão se desintegra, e ou o sono profundo solta todos os meus membros, e a escuridão cai sobre minha alma, ou então…
Mas vocês sabem o que acontece então, queridas crianças da Luz.
Para vocês, Konx Om Pax — Luz em Extensão — é o lar natural. Vocês escreveram estes ensaios com a minha pena; não é preciso que eu os dedique a vocês; mas —
Para todas as pessoas
no mundo inteiro
que estão fora do Âmbito da Ordem;
e até mesmo para os Iniciados
que não possuem a Palavra-Chave
do momento presente;
e para todos aqueles que renunciaram,
abdicaram
ou foram expulsos,
eu dedico
esta Revelação dos Arcanos
que estão no
Ádito do Silêncio nutrido por Deus.
Enquanto, por outro lado:
São Paulo discursou da colina de Marte
Para os atenienses de cabeça oca;
Mas eu prefiro falar com as estrelas
Do que com atenienses de cabeça oca;
É muito fácil formar um culto,
Clamar uma cruzada com “Deus Vult” –
Mas você não conseguirá muito
Com atenienses de cabeça oca.O povo de Londres lembra muito
Aqueles atenienses de cabeça oca.
Eu poderia facilmente fazê-los tremer,
Aqueles atenienses de cabeça oca.
Uma pitada de Bíblia, um galão de gás,
E eu, ou qualquer outro imbecil,
Poderia trazer para nossa missa mística do luar
Aqueles atenienses de cabeça oca.Em suma, tenho pouca utilidade
Para atenienses de cabeça oca.
Os pássaros que eu enredei serão todos soltos;
Eles são atenienses de cabeça oca.
Achei que talvez conseguisse fazer algo de bom;
Mas a chance é de um em dez, isso se puder…
E duvido que salvaria, mesmo que pudesse,
Esses atenienses de cabeça oca.Então (com alguma sorte) devo me despedir
Dos atenienses de cabeça oca.
Por mim, eles podem todos ir para o inferno,
Os atenienses de cabeça oca.
Eu odeio seus solavancos e sacudidelas idiotas,
Seus macacos, sorrindo, atrás das grades –
Estou mais à vontade com os ventos e as estrelas
Do que com atenienses de cabeça oca.
«Uma referência à cerimônia de iniciação de Neófito 0=0 da Ordem Hermética da Aurora Dourada, onde o candidato é barrado por oficiais representando os anjos Samael e Metatron, só podendo prosseguir após ser purificado e consagrado.» ↩︎
«Reading Without Tears or a Pleasant Mode of Learning to Read (“Leitura sem Lágrimas ou um Jeito Prazeroso de Aprender a Ler”), de Favell Lee Mortimer, 1866.» ↩︎
«Cila e Caríbdis são dois monstros marinhos das histórias de Homero, que viviam em lados opostos do Estreito de Messina, entre a Sicília e a Calábria. A expressão de “estar entre Cila e Caríbdis” significa ter que escolher o menor de dois males.» ↩︎
«O mundo bidimensional do livro Planolândia: Um Romance de Muitas Dimensões, de Edwin Abbott Abbott, 1884.» ↩︎
«Consulte o ensaio O Soldado e o Corcunda: ! e ?, de Aleister Crowley.» ↩︎
Traduzido por Alan Willms em 2021. Foto ilustrativa por Alexas_Fotos no Pixabay.