A Baqueta

Este artigo é um capítulo de Liber ABA – Magick – O Livro Quatro

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Leia em 27 min.

Capítulo VI
A Baqueta

Desenho de uma baqueta, um cálice, uma espada e uma taça
A BAQUETA, A TAÇA, A ESPADA E O DISCO OU PANTÁCULO
(DESENHO EM ESCALA).

A Vontade Mágica é em sua essência dupla, pois pressupõe um começo e um fim; querer ser uma coisa é admitir que você não é a coisa que você quer ser.

Daí, portanto, querer qualquer coisa que não seja a coisa suprema é desviar-se mais ainda dela – qualquer vontade que não seja a de entregar-se ao Bem-Amado é Magia Negra – no entanto, esta entrega é um ato tão simples que para as nossas complicadas mentes é o mais difícil dos atos; e, portanto, treinamento é necessário. Mais, o Ser que se rende não deve ser menos que o Ser do Todo; nós não devemos aparecer diante do altar do Altíssimo com uma oferenda imperfeita ou impura. Como está escrito em Liber LXV, “Esperar-Te é o fim, não o princípio”.

Este treino pode conduzir a toda sorte de complicações, variando de acordo com a natureza do estudante; e daí talvez lhe seja necessário a qualquer momento querer uma variedade de coisas que a outras pessoas poderia parecer sem relação com o alvo. Da mesma forma não é evidente à priori por que razão um jogador de bilhar necessita de uma lima.

Já que, portanto, nós podemos vir a precisar de qualquer coisa, cuidemos para que a nossa vontade seja suficientemente forte de forma a obtermos o que necessitamos sem perda de tempo.

É, portanto, necessário desenvolver a vontade ao máximo, mesmo se a tarefa final for a completa entrega dessa vontade. Entrega parcial de uma vontade imperfeita é inútil em Magia.

A vontade sendo uma alavanca, um fulcro é necessário; este fulcro, é a principal aspiração do estudante por alcançar. Todas as vontades que não derivam desta vontade principal são fendas no nosso barco, telhas soltas na nossa loja, goteiras nas nossas paredes; são como gordura no atleta.

A maioria das pessoas neste mundo é atáxica; eles não podem coordenar seus músculos mentais para fazerem um movimento com propósito. Não têm realmente uma vontade, somente um grupo de caprichos e desejos, muitos dos quais se contradizem uns aos outros. A vítima bamboleia de um a outro (e o bamboleio não é menor só porque os movimentos possam, às vezes, ser muito violentos), e no fim da vida os movimentos se cancelam. Nada foi executado, exceto a coisa única de que a vítima não está cônscia: a destruição do seu próprio caráter, a confirmação da indecisão. Tal pessoa é despedaçada, membro por membro, por Choronzon.

Como então será treinada a vontade? Todas essas cismas, caprichos, desejos, inclinações, tendências, apetites, devem ser percebidos, examinados, julgados de acordo com o padrão de se ajudam ou impedem o propósito original; e tratados de acordo.

Vigilância e coragem são, é claro, necessárias. Eu ia acrescentar a auto renúncia, em deferência à linguagem convencional; mas como poderia eu chamar auto renúncia aquilo que é apenas renúncia a coisas que impedem e prejudicam o ser? Não é suicídio matar os germes de malária em nosso sangue.

Agora, existem enormes dificuldades a serem conquistadas no treino da mente. Talvez a maior seja a falta de lembrança, que é provavelmente a pior forma daquilo que os budistas chamam de ignorância. Práticas especiais para treino da memória podem ser úteis como preliminar para pessoas cuja memória é por natureza pobre. Em qualquer caso, o Relatório Mágico prescrito para Probacionistas pela A∴A∴ é útil e necessário.

Acima de tudo, as práticas em Liber III devem ser executadas repetidamente, pois estas práticas não só desenvolvem a vigilância como também esses centros inibidores cerebrais que são, de acordo com alguns psicólogos, a principal mola do mecanismo pelo qual o homem civilizado subiu acima dos selvagens. Até agora falamos, por assim dizer, no negativo. A vara de Aarão virou uma serpente, e engoliu as serpentes dos outros Magistas; é necessário que a tornemos agora, novamente, numa vara[1].

Esta Vontade Mágica é a vara na sua mão pela qual a Grande Obra é executada, pela qual a Filha é, não apenas colocada no trono da Mãe, mas assumida ao Altíssimo[2].

A Baqueta Mágica é assim a arma principal do Magus: e o nome dessa baqueta é o Juramento Mágico.

A vontade, sendo dupla, está em Chokmah, que é o Logos, a palavra; daí alguns disseram que a palavra é a vontade. Thoth, o Senhor da Magia, é também o senhor da Linguagem; Hermes, o mensageiro, leva o Caduceu.

A palavra deveria expressar a vontade; daí, o Nome Místico do Probacionista é a expressão da sua Vontade mais alta.

Existem, é claro, poucos Probacionistas que se compreendem suficientemente para serem capazes de expressar esta vontade para si mesmos; por isso, no final de sua probação, a maioria escolhe um novo nome.

É conveniente, portanto que o estudante expresse sua vontade assumindo Juramentos Mágicos.

Já que tal juramento é irrevogável, deve ser bem ponderado; e é melhor não fazer nenhum juramento permanente; porque, com aumento de compreensão, pode vir uma percepção da incompatibilidade do juramento menor com o mais elevado.

Isto acontece quase sempre; e deve ser recordado que, desde que a essência inteira da vontade é que ela é única, com uma só ponta[3], um dilema de tal tipo é o pior em que o Magista pode vir a se encontrar.

Outra consideração importante a fazer sobre esta questão de Votos Mágicos é que é necessário conservá-los em sua própria perspectiva. Eles devem ser assumidos com um propósito claramente definido e compreendido, e não devem nunca ultrapassar os limites do propósito para o qual foram formulados.

É uma virtude para um diabético o abster-se de ingerir açúcar; mas somente com referência à sua condição pessoal. Não é uma virtude de importância universal. Elias disse em certa ocasião: “É bom que eu me zangue”; mas tais ocasiões são raras.

Além disto, a comida de um é o veneno de outro. Um juramento de pobreza poderia ser utilíssimo a alguém que fosse incapaz de empregar inteligentemente sua riqueza para o fim único que se propusera; para outra pessoa seria apenas desprover-se de energia, obrigando-a a desperdiçar seu tempo com insignificâncias.

Não existe nenhum poder que não possa ser voltado ao serviço da Vontade Mágica; é apenas a tentação de dar valor àquele poder em si mesmo que ofende.

A gente não diz: “Derrube a árvore; para que deixá-la desperdiçar o solo?” a não ser que podas repetidas convençam o jardineiro de que esse tronco nunca prestará.

“Se tua mão te ofende, corta-a!” é o grito de um fraco. Se matássemos um cachorro logo à primeira vez que se comporta mal, poucos passariam dos três meses de idade.

O melhor voto, e o de aplicação mais universal, é o voto de Santa Obediência; pois não só leva à liberdade perfeita, mas é treino para aquela entrega que é a tarefa fundamental.

Tem este grande valor: que nunca se enferruja. Se o superior para com o qual tomamos o voto sabe o que faz, ele rapidamente perceberá que coisas são realmente repugnantes ao seu discípulo, e o familiarizará com elas.

A desobediência ao superior é uma luta entre estas duas vontades no inferior. A vontade expressa em seu voto, que é a vontade ligada à sua vontade mais elevada (porque ele tomou o voto com o intuito de desenvolver essa vontade mais elevada), luta com a vontade efêmera, que é baseada apenas em considerações efêmeras.

O Instrutor deveria então procurar gentil e firmemente estimular o aluno, pouco a pouco, até que obediência siga o comando sem referência a qual o comando possa ser; como escreve Loyola: “perinde ac cadaver”.

Ninguém compreendeu a Vontade Mágica melhor que Loyola; em seu sistema o indivíduo era esquecido. A vontade do Geral era instantaneamente ecoada por todo membro da Ordem; por esta razão, a Sociedade de Jesus tornou-se a mais formidável organização religiosa do mundo.

Aquela do Velho Homem da Montanha foi talvez a segunda em eficiência.

O defeito no Sistema de Loyola consistiu em que o Geral não era Deus, e que, devido a várias outras considerações, ele não era necessariamente nem sequer o melhor membro da Ordem.

Para tornar-se Geral da Ordem ele deveria ter querido tornar-se Geral da Ordem; e por causa disto ele não podia ser nada mais.

Para voltar à questão do desenvolvimento da Vontade: é sempre alguma coisa desenraizar as ervas daninhas; mas além disso é preciso cultivar a flor. Tendo esmagado todas as volições em nós mesmos, e se necessário em outras pessoas, que verificamos serem opostas à nossa real Vontade, aquela Vontade crescerá naturalmente com maior liberdade. Mas não é apenas necessário purificar e consagrar o templo: invocações devem ser feitas. Daí, é necessário fazer constantemente coisas de natureza positiva, não apenas coisas de natureza negativa, para afirmar aquela Vontade.

Renúncias e sacrifícios são necessários, mas não comparativamente fáceis. Existem cem maneiras de falhar, e uma apenas de acertar. Evitar comer carne de boi é fácil; não comer nada senão carne de porco é dificílimo.

Levi recomenda que em certas ocasiões a própria Vontade Mágica seja interrompida, baseando-se em que podemos sempre trabalhar melhor após uma “mudança completa”. Levi está sem dúvida com a razão; mas deve-se ser compreender que ele diz isto por causa da “dureza dos seus corações”. A turbina é mais eficiente que o motor de explosão; e esse conselho de Levi é para o principiante.

Por fim, a Vontade Mágica se identifica de tal forma com o ser inteiro do homem que ela se torna inconsciente, e é uma força tão constante quanto a gravitação. Nós podemos até nos surpreender com nossos próprios atos, e ter que analisar e ponderar para determinar os motivos que os concatenam com as circunstâncias que os provocaram. Mas compreenda-se que quando a Vontade assim realmente se elevou ao nível de Destino, o homem tem tanta possibilidade de cometer um erro quanto de sair flutuando pelo ar.

Pode ser perguntar se não existe um conflito entre este desenvolvimento da Vontade e o conceito de Ética.

A resposta é Sim.

No Grande Grimório nos é dito: “Compre um ovo, sem regateares”; e a consecução, e o passo seguinte no caminho da consecução, é aquela pérola de grande preço, a qual, quando o homem encontra, imediatamente vende tudo o que possui e compra.

Com muita gente a tradição e o hábito – dos quais o conceito de ética é apenas a expressão social – são as coisas mais difíceis de abandonar; e é uma prática útil o quebrar qualquer hábito, simplesmente para se libertar desse tipo de escravidão. Daí, nós temos práticas para interromper o sono, para colocar nossos corpos em posições tensas e antinaturais, para executar difíceis exercícios respiratórios – todos esses atos, à parte qualquer mérito especial que possam ter em si para algum propósito em particular, possuem o mérito principal de que o homem se força a executá-las a despeito de quaisquer condições que possam existir. Tendo conquistado a resistência interna, nós podemos conquistar a resistência externa mais facilmente.

Em um barco a vapor, a máquina deve primeiro conquistar a sua própria inércia antes de poder atacar a resistência da água.

Quando a vontade deixou assim de ser intermitente, torna-se necessário que consideremos seu alcance. A gravitação dá uma aceleração de trinta e dois pés por segundo neste planeta, na lua muito menos. E uma Vontade, não importa quão única e quão constante ela seja, pode ainda assim ser sem nenhum valor particular, porque as circunstâncias que a opõem podem ser demasiado fortes, ou porque por algum motivo ela não consegue entrar em contato com elas. É inútil desejar a lua. Se assim fazemos devemos considerar por que meios aquela Vontade pode se tornar eficiente.

E se bem que uma pessoa pode ter uma tremenda Vontade em alguma direção, essa Vontade não será necessariamente suficiente sempre para auxiliá-la em outra direção; pode até ser estúpida.

Existe a história do homem que praticou durante quarenta anos como atravessar o Ganges caminhando sobre as águas; e tendo por fim alcançado este poder, foi censurado pelo seu Santo Guru, que disse: “Você é um grande tolo. Todos seus vizinhos atravessam o Ganges diariamente numa jangada por dois tostões”.

Isto acontece à maior parte, talvez a todos nós, em nossas carreiras. Damo-nos infinito trabalho para aprender alguma coisa, para alcançar alguma coisa; e obtendo o sucesso, verificamos que esta não parece valer nem sequer a expressão do desejo original.

Mas esta perspectiva é errônea. A disciplina necessária para aprender o latim nos auxiliará quando desejarmos fazer algo bem diverso.

Na escola fomos punidos por nossos mestres; quando deixamos a escola, se não tivermos aprendido a punir a nós mesmos, não aprendemos coisa alguma.

De fato, o único perigo é o de que demos valor à consecução em si mesma. O menino que se orgulha do seu conhecimento das matérias da escola corre o risco de se tornar um professor universitário.

Portanto, o Guru do homem que caminhava sobre a água quis apenas dizer que agora era hora do homem ficar insatisfeito com o que conseguira – e empregar seus poderes para algum fito melhor.

E por falar nisto, já que a Vontade divina é única, verificaremos que não existe nenhuma capacidade que não seja necessariamente subserviente ao destino do homem que a possui.

Nós podemos ser incapazes de predizer quando um fio de uma determinada cor será tecido no tapete do Destino. É apenas quando o tapete está terminado, e o contemplamos de alguma distância, que a posição daquele fio particular nos parece como necessária. Daí somos tentados a mencionar aquele velho problema de fatalidade e livre arbítrio.

Mas se bem que todo homem é “determinado” de forma que toda ação é apenas a resultante passiva da soma total das forças que têm agido sobre ele desde a eternidade, de forma que a Vontade dele é apenas o eco da Vontade Universal, mesmo assim aquela consciência de “livre-arbítrio” é valiosa; e se ele realmente a compreende como sendo a expressão parcial e individual daquele movimento interno em um Universo cuja soma é equilíbrio, tanto mais ele sentirá aquela harmonia, aquela totalidade. E se bem que a felicidade que ele experimenta possa ser criticada como apenas um prato de uma balança em cujo outro prato está uma miséria de igual peso, existem aqueles que afirmam que a miséria consiste apenas no sentimento de separação do Universo, e que consequentemente tudo pode ser cancelado entre os sentimentos menores, deixando apenas aquele infinito gozo que é uma fase da infinita consciência daquele TODO. Tais especulações estão um pouco fora dos limites do presente tratado. Não é de particular importância perceber que o elefante e a pulga não poderiam ser diversos do que são; mas nós percebemos que um é maior que o outro. Este é o fato de importância prática.

Sabemos que as pessoas podem ser treinadas para fazerem coisas que elas não poderiam fazer sem treino – e quem quer que diga aqui que nós não podemos treinar uma pessoa a não ser que seja o destino daquela pessoa ser treinada, não está sendo muito prático. Igualmente, treinar é o destino do treinador. Existe uma falácia no argumento do filósofo determinista, semelhante à falácia que é a raiz de todos os “sistemas” de jogar roleta. As probabilidades são exatamente de três contra uma que o vermelho apareça duas vezes consecutivas; mas quando o vermelho aparece pela primeira vez, as condições mudam.

Seria inútil insistir sobre este ponto se não fosse pelo fato que muita gente confunde Filosofia com Magia. A Filosofia é a inimiga da Magia. A Filosofia nos assegura que nada tem importância, e que che sarà, sarà.

Na vida prática, e a Magia é a mais prática de todas as Artes da vida, esta dificuldade não ocorre. É inútil dizer a um homem que está correndo para pegar um trem que talvez não seja seu destino pegar aquele trem; ele simplesmente corre; e se tivesse fôlego de sobra diria: “Que se dane o destino!”

Foi dito antes que a verdadeira Vontade Mágica deve ser em direção ao mais elevado fito, e isto nunca pode acontecer até que a Compreensão Mágica floresça. É necessário fazer com que a Baqueta cresça em alcance ao mesmo tempo em que cresce em poder; nem sempre ela faz isto por si mesma.

A ambição de um menino é ser maquinista de trem. Alguns conseguem a ambição, e permanecem nela a vida inteira.

Mas na maioria dos casos a Compreensão cresce mais rapidamente que a Vontade, e muito antes do menino ser capaz de realizar sua ambição, ele já a terá esquecido.

Em outros casos, a Compreensão nunca cresce além de um certo ponto, e a Vontade persiste sem inteligência.

O homem de negócios (por exemplo) desejou segurança e conforto, e para este fim vai diariamente ao seu escritório labutar sob o chicote de um capataz muito mais cruel que o mais humilde dos seus empregados; finalmente decide aposentar-se, e descobre que sua vida está vazia. O fim foi engolido pelos meios.

Somente aqueles que desejam o inalcançável são felizes.

Todas as possessões, as materiais como as espirituais, são apenas pó. Amor, sofrimento e compaixão são três irmãs que, se parecem livres desta maldição, parecem-no apenas por causa de sua relação com O Insatisfeito.

A beleza mesma é tão inatingível que escapa por completo; e o verdadeiro artista, como o verdadeiro místico, não pode descansar nunca. Para ele, o Magista é apenas um servo. A baqueta do artista é de comprimento infinito; é o Mahalingam criador.

A dificuldade de um tal homem é naturalmente que sua baqueta, sendo muito delgada em proporção ao seu comprimento, tende a bambear. Pouquíssimos artistas estão cônscios do seu verdadeiro propósito, e em muitos casos nós vemos essa ânsia infinita suportada por uma constituição tão débil que nada é conseguido.

O Magista deve construir tudo que ele tem em sua pirâmide; e se essa pirâmide deve tocar as estrelas, quão ampla deve ser a sua base! Não existe nenhum conhecimento ou poder que seja inútil ao Magista. Diríamos quase que não há coisa alguma no Universo inteiro que ele possa dispensar. Seu maior inimigo é o Grande Magista, o Magista que criou a ilusão inteira do Universo; e para encontrá-lo em combate, de forma que nada reste nem dele nem de você, você deve ser exatamente seu igual.

Ao mesmo tempo, o Magista não deve nunca esquecer que todo tijolo deve tender na direção do píncaro da pirâmide – os lados dela devem ser perfeitamente lisos; não deve haver nenhum falso píncaro, nem mesmo nos níveis mais baixos.

Esta é a forma ativa e prática daquela obrigação de um Mestre do Templo na qual é dito: “Eu interpretarei todo fenômeno como um trato entre Deus e a minha alma”.

Em Liber CLXXV muitos conselhos práticos para conseguir esta concentração única são dados, e se bem que o assunto daquele livro é a devoção a uma Deidade em particular, suas instruções podem facilmente ser generalizadas para se adaptar ao desenvolvimento de qualquer tipo de vontade.

Esta vontade é então a forma ativa da compreensão. O Mestre do Templo se pergunta, vendo um caracol: “Qual é o propósito desta mensagem do Invisível? Como interpretarei esta Palavra de Deus Altíssimo?” O Mago pensa: “Como usarei este caracol?” E neste curso ele deve persistir. Se bem que muitas coisas inúteis, tanto quanto ele pode ver, lhe são mandadas, um dia ele achará aquela coisa única de que necessita; enquanto sua Compreensão apreciará o fato de que nenhuma dessas outras coisas era inútil.

Assim, com estas práticas preliminares de renúncia, será claramente compreendido que elas eram de utilidade apenas temporária. Elas tinham valor apenas como treinamento. O adepto rirá de seus absurdos de principiante; as desproporções terão sido harmonizadas, e a estrutura da alma dele será compreendida como perfeitamente orgânica, sem nada fora do lugar. Ele se verá como o Tau positivo com seus dez quadrados completos dentro do triângulo dos negativos; e esta figura se tornará 1, tão logo do equilíbrio dos pares de opostos ele chegue à identidade dos opostos.

Nisto tudo será percebido que a arma mais poderosa na mão do estudante é o Voto de Santa Obediência; e muitos desejarão ter tido a oportunidade de se colocarem sob a direção de um santo Guru. Que eles se animem – pois qualquer ente capaz de dar ordens é um Guru eficiente para os fins deste Voto, contanto que não seja demasiado amigável e preguiçoso.

A única razão para escolher um Guru que alcançou, ele mesmo, a consecução, é que ele auxiliará a vigilância do sonolento Chela, e enquanto tempera os golpes contra os pontos mais sensíveis deste, o fortifica e o enrobustecerá, alegrando-lhe os ouvidos com santos discursos. Mas se uma tal pessoa for inacessível, que ele escolha qualquer pessoa com a qual ele mantém frequentes relações, explique as circunstâncias e peça-lhe que aja.

A pessoa escolhida deve, se possível, ser de confiança; e lembre-se o Chela de que, se lhe for comandado pular num precipício, é muito melhor pular do que abandonar a prática.

E é da maior importância não limitar o voto de forma alguma. Você deve comprar o ovo sem regatear.

Em uma certa Sociedade, os membros eram obrigados por juramento a fazer certas coisas, sendo-lhes simultaneamente assegurado que “não havia nada no juramento contrário às suas obrigações civis, morais ou religiosas.” Assim, quando qualquer um desejava quebrar seu voto não tinha dificuldade de descobrir um bom motivo. O voto perdeu toda a força.

Quando o Buda se sentou sob a abençoada Árvore-Bo, ele jurou que nenhum dos habitantes dos 10 mundos poderia fazer com que ele se mexesse dali até ter alcançado a consecução; de forma que mesmo quando Mara, o Grão-Demônio, apareceu com suas três filhas, as grã-tentadoras, ele permaneceu quieto.

Mas para principiantes é inútil assumir um voto tão formidável; ele ainda não tem a força que pode desafiar Mara. Que ele avalie sua força, e assuma um voto dentro dos limites desta; mas na beirada dos limites. Milo começou carregando um bezerro recém-nascido; e enquanto dia a dia o bezerro crescia até virar um touro, a força de Milo cresceu também, e foi suficiente.

Repetimos que Liber III é um método admirável para o principiante[4] e será melhor, mesmo se ele tiver muita confiança em sua força, que ele tome o voto por períodos muito curtos, começando com uma hora e aumentando diariamente trinta minutos até que o dia inteiro seja preenchido pela prática. Então que ele descanse por algum tempo, e depois tente uma prática por dois dias; e assim por diante até se tornar perfeito.

Ele deveria também começar com as práticas mais fáceis. Mas a coisa que ele jura evitar deve ser algo que normalmente ele faria com alguma frequência; pois de outra forma o esforço a que a memória é obrigada para conservar a vigilância seria muito grande, e a prática se tornaria difícil. É melhor no princípio que a dor no seu braço esteja presente na hora em que ele normalmente perpetraria o ato proibido, para preveni-lo contra a repetição desse ato.

Desta forma haverá uma clara conexão na mente dele entre causa e efeito, até que terá tanto cuidado em evitar aquele ato particular que ele se determinou conscientemente a evitar, quanto aquelas outras coisas que na infância ele foi treinado para evitar.

Da mesma forma em que a pálpebra inconscientemente se fecha quando o olho é ameaçado[5], ele deve desenvolver no seu consciente este poder de inibição até que o poder se submerja no subconsciente, aumentando o seu depósito de força automática, de forma que ele esteja livre para devotar sua energia consciente a uma tarefa ainda mais alta.

É impossível exagerar a vantagem desta inibição para o homem quando ele começa a meditar. Ele guardou sua mente contra os pensamentos A, B e C; ele disse às sentinelas que não deixassem passar quem não estivesse de uniforme. E agora será muito fácil para ele ampliar aquele poder, e baixar a porta levadiça.

Que ele se lembre, também, de que existe uma diferença não só na frequência dos pensamentos como também na sua intensidade.

O pior de todos é naturalmente o ego, que é quase onipresente e quase irresistível, se bem que tão profundamente enraizado que no pensamento normal podemos não estar sempre cônscios dele.

Buda, tomando o touro pelos chifres, fez desta ideia a primeira a ser atacada.

Cada qual deve decidir por si mesmo se este é um curso sábio a seguir. Mas certamente parece mais fácil descartar primeiro as coisas que podemos mais facilmente dispensar.

A maioria das pessoas terá mais trabalho com as Emoções, e os pensamentos que as excitam.

Mas é tão possível quanto necessário não só suprimir as emoções, mas fazer delas criadas fiéis. Assim, a emoção da cólera é ocasionalmente útil contra aquela porção do cérebro cujo relaxamento vicia o controle.

Se existe uma emoção que nunca é útil, é o orgulho; por este motivo que está inteiramente ligado ao Ego…

Não, não existe uso para o orgulho!

A destruição das Percepções, quer as mais grosseiras ou as mais sutis, parece muito mais fácil, porque a mente, não sendo movida, está livre para se lembrar do controle.

É fácil nos absorvermos tanto em um livro que não notamos o mais lindo cenário. Mas se formos picados por uma vespa, o livro é imediatamente esquecido.

As Tendências são, no entanto, muito mais difíceis de combater que as três Skandhas mais baixas juntas, pela simples razão de que estão, em sua maior parte, abaixo do nível do consciente, e devem, por assim dizer, ser despertadas a fim de serem destruídas; de forma que a vontade do Magista está, em um certo senso, tentando fazer duas coisas opostas ao mesmo tempo.

A Consciência mesma só é destruída por Samadhi.

Agora podemos perceber o processo lógico que começa recusando-se a pensar em um pé, e acaba destruindo o senso de individualidade.

Há muitos métodos para destruir ideias profundamente enraizadas.

O melhor é talvez o método de equilíbrio. Ponha a mente no hábito de evocar o oposto de todo pensamento que possa erguer-se. Em conversação, sempre discorde. Examine e compreenda os argumentos do outro homem, mas não importa quanto o seu julgamento aprove os argumentos dele, ache uma resposta.

Que isto seja feito desapaixonadamente; quanto mais convencido você está de que um certo ponto de vista é certo, tanto mais determinado você deveria estar por achar provas de que tal ponto de vista é errôneo.

Se você tiver feito isto com cuidado e exaustivamente, estes pontos de vista não mais perturbarão você; você então pode asseverar o seu próprio ponto de vista com a calma de um mestre, o que é mais convincente que o entusiasmo de um aprendiz.

Você não mais estará interessado em controvérsias; política, ética, religião lhe parecerão como tantos brinquedos, e sua Vontade Mágica estará livre dessas inibições.

Em Burma existe apenas um animal que o povo mata sempre, a Víbora de Russell; porque, como eles dizem, “ou você a mata, ou ela mata você”; é uma questão de quem vê o outro primeiro.

Ora, qualquer ideia que não seja A Ideia deve ser tratada desta maneira. Quando tiver matado a serpente, você pode usar-lhe a pele, mas enquanto ela está viva e livre, você está em perigo.

E infelizmente a ideia-do-ego, que é a verdadeira serpente, pode projetar-se em uma multidão de formas, cada qual vestida nas mais lindas roupagens. Assim é dito que o diabo é capaz de disfarçar-se em um anjo de luz.

Quando estamos sob o peso de um voto mágico, tal é terrivelmente o caso. Nenhum ser humano normal compreende ou pode compreender as tentações dos santos.

Uma pessoa normal que tivesse ideias como as que obcecaram São Patrício e Santo Antônio deveria estar num manicômio.

Quanto mais você aperta a serpente (que estava previamente madorna, e quase inofensiva, em aparência), tanto mais ela se contorce e luta; e é importante que você se lembre de que deve segurá-la com tanto mais força quanto mais ela luta, ou ela escapará e lhe morderá.

Da mesma maneira que, se você, diz a uma criança para não fazer uma certa coisa, não importa o que, ela imediatamente quererá fazê-la, se bem que a ideia poderia não lhe ter jamais ocorrido por si só, da mesma forma ocorre com o santo. Todos temos essas tendências latentes em nós; poderíamos permanecer inconscientes da maior parte delas a nossa vida inteira – se elas não fossem despertadas pela nossa Magia. Elas estão de emboscada. E toda e cada qual deve ser despertada, e toda e cada qual deve ser destruída. Toda pessoa que assina o Juramento de um Probacionista está mexendo em ninho de marimbondos.

Um homem tem apenas que afirmar a sua aspiração consciente e o inimigo pula sobre ele.

Parece pouquíssimo provável que qualquer pessoa possa atravessar aquele terrível ano de probação, e, no entanto, o aspirante não é obrigado a fazer qualquer coisa difícil; quase parece como se ele não estivesse obrigado a fazer coisa alguma – e no entanto a experiência nos ensina que o efeito é como arrancar o homem de sua poltrona favorita e arremessá-lo ao meio de uma tormenta no Atlântico. Talvez a verdade seja que a simplicidade mesma da tarefa a faz difícil.

O Probacionista deve agarrar-se à sua respiração – afirmá-la de novo e de novo em desespero.

Ele quase a perdeu de vista, talvez; ela se tornou sem significado para ele; ele a repete mecanicamente enquanto é arremessado de onda em onda.

Mas se puder persistir em sua aspiração, ele passará o ano.

E uma vez tenha passado, as coisas novamente assumirão o seu aspecto próprio; ele verá que mera ilusão era aquilo que parecia tão real, e ele terá sido fortificado contra as novas provações que o esperam.

Mas infeliz em extremo é aquele que não pode assim persistir. É inútil que ele diga: “Eu não gosto do Atlântico; eu vou voltar para a minha poltrona favorita”.

Dê apenas um passo no caminho, e já não pode mais voltar atrás. Como diz o poeta Browning em seu poema “O Jovem Rolando chegou à Torre escura”:

Pois vede! tão cedo dediquei-me ao plano,
E dei na trilha o meu primeiro passo,
Quando volvendo os olhos sobre o ombro
A estrada que seguira já não vi:
Em meu redor, ao horizonte, nada
Senão deserto; para frente, a estrada.

Isto é universalmente verdadeiro. A asseveração de que o Probacionista pode renunciar ao Caminho quando quiser é na realidade apenas para aqueles que assumiram superficialmente o juramento.

Um verdadeiro Juramento Mágico não pode ser quebrado; você pensa que pode, mas não pode.

Esta é a vantagem de um verdadeiro Juramento Mágico.

Não importa quantos rodeios você faça, você chega ao fim da mesma maneira; e tudo que você conseguiu tentando quebrar seu juramento foi envolver-se nas mais terríveis dificuldades.

Não pode ser demasiado claramente compreendido que tal é a natureza das coisas: não depende da vontade de quaisquer pessoas, não importa quão poderosas ou exaltadas; nem pode a força d’Elas, a força de Seus grandes juramentos, valer contra o mais fraco juramento do mais trivial principiante.

A tentativa de interferir com a Vontade Mágica de outra pessoa seria maligna se não fosse absurda.

Podemos tentar construir uma Vontade onde nada antes existia senão um caos de caprichos; mas uma vez a organização se tenha processado, é sagrada. Como diz Blake, “Tudo que vive é santo”; e daí a criação de vida é a mais sagrada das tarefas. Não importa muito ao criador o que é que ele cria; existe espaço no universo tanto para a aranha quanto para a mosca.

É do monturo de lixo de Choronzon que a gente seleciona o material para um deus!

Esta é a última análise do Mistério da Redenção, e é possivelmente a verdadeira razão para a existência (se de existência pode ser chamado) de forma, ou se você preferir, do Ego.

É surpreendente que este grito típico – “Eu sou eu” – seja o grito daquilo que, acima de tudo, não é eu.

Foi aquele Mestre cuja Vontade era tão poderosa que à sua mais leve expressão o surdo ouvia, o mudo falava, leprosos saravam e os mortos ressuscitavam; foi aquele Mestre e nenhum outro que no supremo momento de sua agonia pode gritar: “Não a minha Vontade, mas a Tua, seja feita”.


  1. Como é sabido, a palavra, usada no Livro do Êxodo para uma Vara de Amendoeira é מטה השקד , cuja soma é 463. Ora, 400 é Tau, o caminho que vai de Malkuth a Yesod; 60 é Samekh, o caminho que vai de Yesod a Tiphareth; e 3 é Gimel, o caminho que vai daí a Kether. A vara inteira, portanto, dá os caminhos do Reino à Coroa. ↩︎

  2. Em um sistema de Magia, o melhor, o Absoluto é chamado de Coroa, Deus é chamado de Pai, a Alma Pura é chamada de Mãe, o Sagrado Anjo Guardião é chamado de Filho, e a Alma Natural é chamada de Filha. O Filho purifica a Filha, esposando-a; ela então se torna a Mãe, e da união dela com o Pai absorve todos na Coroa. Veja-se Liber CDXVIII. ↩︎

  3. O Topo da Baqueta está em Kether - que é um; e o Qliphoth de Kether são os Thaumiel, cabeças opostas que despedaçam e devoram uma à outra. ↩︎

  4. Este livro deve ser cuidadosamente lido. Sua essência é que o pupilo jura abster-se de uma certa palavra, ato ou pensamento; e cada vez que quebra o juramento, corta seu braço bruscamente com uma navalha. Isto é melhor que flagelação, porque pode ser feito em público sem atrair atenção. Pode, no entanto, tornar-se um dos mais absorventes e engraçados jogos de salão. Amigos e parentes estão sempre prontos a “pegar” você fazendo o que você se proibiu. ↩︎

  5. Se não fosse assim, pouca gente haveria no mundo que não fosse cega. ↩︎


Traduzido por Marcelo Ramos Motta (Frater Ever). Revisado por Frater ΑΥΜΓΝ.

Próximo capítulo em breve!
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