Os hindus afirmam que a natureza do objeto da meditação determina o Samadhi, isto é, esses Samadhis menos elevados que conferem os assim chamados “poderes mágicos”. Por exemplo, há os Yogapravritti. Meditando sobre a ponta do nosso nariz, obtemos aquilo que se poderia chamar “o cheiro ideal” – isto é, um cheiro que não é nenhum cheiro em particular, mas que é o cheiro arquetípico, do qual todos os cheiros perceptíveis são modificações. É o “cheiro que não é um cheiro”. Esta é a única descrição razoável: pois a experiência sendo contrária à razão, é consequentemente razoável que as palavras que a descrevem sejam assim também[5].
Da mesma forma, concentração sobre a ponta da língua dá o “gosto ideal”; sobre o dorso da língua, o “tato ideal”. O Bhikku Ananda Metteya dá a seguinte descrição desta experiência: “Todo átomo do corpo entra em contato com todo átomo do Universo simultaneamente.” A meditação sobre a raiz da língua dá o “som ideal”, e meditação sobre a faringe dá a “visão ideal”[6].
O mais importante desses êxtases, porém, é Atmadarshana, o qual para alguns (e estes não os de menor experiência) é o primeiro verdadeiro Samadhi; pois mesmo as visões de “Deus” e do “Augoeides” estão manchadas pela forma. Em Atmadarshana, o Todo se manifesta como o Um: é o Universo livre de quaisquer condições. Não só são todas as formas e ideias destruídas, mas também as concepções que jazem implícitas em nossas ideias daquelas ideias. Cada parte do Universo torna-se o Todo, e causa e efeito não mais são separados[7].
Mas é completamente impossível descrever este estado mental. Podemos apenas especificar algumas de suas características, como fizemos acima; mas a linguagem usada não deve formar qualquer imagem na mente. É impossível a qualquer pessoa que experimente este estado trazer de volta dele qualquer imagem exprimível no estado mental normal. Nem podemos conceber qualquer estado que transcenda Atmadarshana, quando voltamos de Atmadarshana!
No entanto, existe um Samadhi muito mais elevado, chamado Shivadarshana; do qual é apenas necessário dizer que é a destruição do estado prévio: a aniquilação de Atmadarshana. Para conceber esta extinção devemos imaginar o Nada (único nome possível para isto) como positivo, em vez de negativo.
A mente normal é como uma vela num quarto escuro. Se você abre as janelas, a luz do sol torna a chama invisível. Esta é uma imagem mais ou menos adequada de Dhyana[8].
Mas a mente se recusa a encontrar uma imagem para Atmadarshana. Parece fraco dizer apenas que, se todas as estrelas do universo se juntassem subitamente, apagariam também a luz do sol. Porém, se aceitarmos dizer isto, e procurarmos outra imagem para Shivadarshana, devemos nos imaginar percebendo que esse braseiro universal é escuridão; não uma luz muito fraca comparada com outra luz, mas escuridão em si. Não é uma transição do minúsculo para o vasto, ou mesmo do finito para o infinito. É a percepção do fato de que o positivo é apenas o negativo. A “verdade final” de Atmadarshana é percebida não apenas como falsa, mas como a contradição lógica da “verdadeira verdade”. É completamente inútil prolongar este tema, que até o presente tem derrotado todas as mentes que procuraram expressá-lo. Nós tentamos aqui dizer o mínimo, e não o máximo, possível[9].
Ainda mais longe do nosso propósito de sermos simples estaria comentarmos aqui as inumeráveis discussões entre místicos sobre se Shivadarshana é o derradeiro Samadhi, ou sobre o efeito de Shivadarshana em nossa vida subsequente. Basta dizermos que até mesmo o primeiro e mais efêmero dos Dhyana nos paga mil vezes pelas dores que podemos ter tido buscando alcançá-lo.
E existe mais um encorajamento para principiantes: todo trabalho que se executa nessa direção tem efeito cumulativo. Todo ato dirigido à consecução espiritual é mais uma pedra acrescentada à pirâmide de um destino que algum dia chegará a fluir. Possam todos conseguir!
A vulgaridade e insularidade do cânone budista são repulsivas a todo intelecto sadio, e as tentativas de usar os termos de uma filosofia egocêntrica para explicar os detalhes de uma psicologia cuja principal doutrina é a negação do ego foi obra de um imbecil malicioso. Rejeitaremos sem hesitar a confusão inteira, e seguiremos o significado etimológico da palavra, conforme dado acima! ↩︎
Aparentemente. Isto é: os resultados óbvios do diverso. É possível que o fenômeno tenha uma causa única, refratada em diversos planos de consciência. ↩︎
É uma quebra no ceticismo que é a base do nosso sistema admitir que algum assunto seja melhor que qualquer outro. Formulemos a posição assim: “A é um assunto que B considera santo; portanto, é natural para B meditar sobre A”. Desfaçamo-nos do ego, observemos todos os nossos atos como se fossem os atos de outra pessoa: desta forma evitaremos noventa e nove por cento dos obstáculos que estão à nossa espera no caminho. ↩︎
Estas meditações são complementos dos três métodos de Entusiasmo (instruções da A∴A∴ ainda não emitidas até março de 1912). ↩︎
Daí o Credo de Atanásio. Compare-se com isso a descrição no Zohar: “A Cabeça que está acima de todas as Cabeças; a Cabeça que não é uma Cabeça”. ↩︎
Igualmente, Patanjali nos diz que se praticarmos Samyana sobre a força de um elefante ou um tigre, adquirimos aquela força. Se você conquistar o “nervo Udana” você pode caminhar sobre a água; o “nervo Samana”, você começa a emitir luz; os “elementos” fogo, ar, terra e água, e você pode fazer tudo que na vida normal eles lhe impedem de fazer. Por exemplo, conquistando “Terra” podemos tomar um atalho para ir à China; conquistando “Água” podemos morar no leito do rio Ganges. Dizem que há um santo em Benares que faz isto, vindo à tona somente uma vez por ano para confortar e instruir seus discípulos. Mas ninguém precisa acreditar nestas coisas a não ser que queira; e aconselhamos mesmo que o estudante domine o desejo de acreditar nelas. Será interessante quando a pesquisa científica tiver investigando os termos destas equações. ↩︎
Isto é tão completo que não só o “Preto é o mesmo que Branco”, mas também “A brancura do Preto é a essência de sua Pretude”. O Nada é igual ao Um, que é igual ao Infinito; mas isto é verdadeiro apenas por causa deste arranjo triplo, desta trindade ou triângulo de contradições. ↩︎
Nota de Virakam: Aqui o ditame foi interrompido enquanto Frater Perdurabo pensou prolongadamente, buscando imagens para Atmadarshana e Shivadarshana. ↩︎
E no entanto, este falatório todo proveio do nosso desejo de sermos tão modestos quanto Yajna Valkya! ↩︎
Traduzido por Marcelo Ramos Motta (Frater Ever). Revisado por Frater ΑΥΜΓΝ.