Liber CCCXLIII: Amrita

[Alguns comentários sobre o Elixir da Vida extraídos do Registro Mágico da Besta 666]

.
Leia em 12 min.

Liber CCCXLIII: AMRITA

Alguns Comentários sobre o
Elixir da Vida Extraídos do
Registro Mágico da Besta 666
do ano de 1920 e.v.

Por Aloster Kerval (Aleister Crowley)

7 de junho, 1h55min

Sinto-me inspirado a rascunhar algumas notas sobre o Elixir da Vida.

O Elixir da Vida,
por Mestre Therion

As condições de vida são de tal modo que o organismo deveria ser capaz de ajustar-se continuamente a seu ambiente. Qualquer indivíduo, para fazer isso por muito tempo, necessita de uma inteligência muito grande ou de uma sorte muito grande. Seu principal trunfo físico é a elasticidade, o poder de compensação e recuperação. Nossos corpos são mais ou menos 75% água pura; somos uma mera esponja, nossa força provém do grande engenho mecânico de nossa estrutura. Mas não somos “corpos sólidos” como a maioria dos seres inanimados. Esta água, pelos rins, pulmões e pele, constantemente nos purifica, e elimina a maior parte dos nossos resíduos e matérias nocivas. Obstrua um desses canais; a morte segue-se muito rapidamente. No entanto, este sistema de drenagem não é perfeito; nossos tubos “incrustam-se” como uma chaleira. Exceto por doença e acidente, nós morremos de arteriosclerose causada pela gradual deposição de sais insolúveis que endurecem as artérias e destroem a elasticidade que as permite adaptarem-se a novas condições. Na verdade, nós “perecemos” como a borracha natural. A velhice é simplesmente uma solidificação dos tecidos, todos os quais tornam-se rígidos, secos e quebradiços.

Como na filosofia, mudança é vida, estagnação, morte; não devemos temer um metabolismo acelerado. Por que o processo que chamamos de crescimento só há poucos anos se tornou degeneração? Pela mesma razão que uma máquina bem conservada e lubrificada funciona mais facilmente com o tempo, enquanto uma enferrujada destrói a si mesma. O exercício nos ajuda a liberar nosso esgotos, mas devemos lavá-los bem com água para dissolver resíduos minerais. Devemos evitar a ingestão de alimentos suscetíveis de deixar depósitos insolúveis.

Mas há uma outra causa da deterioração, causa também em parte deste envenenamento. Nossos órgãos se reparariam perfeitamente, se eles recebessem descanso suficiente. Em sua pressa eles absorvem o primeiro material à mão, seja ele bom ou ruim. Além disso, pedimos a eles para trabalhar antes de estarem completamente descansados e assim os desgastamos gradualmente. O exercício é necessário para nos mantermos limpos; mas nosso descanso deve ser uma restauração perfeita também. Podemos dar aos músculos este benefício por Asana, e também reduzir ao mínimo o trabalho do coração e pulmões. Podemos dar descanso à nossa digestão comendo somente ao meio-dia e ao pôr do sol, permitindo-lhes assim um intervalo de doze horas das vinte e quatro. Pranayama é o exercício ideal, uma vez que estimula o metabolismo ao máximo com o mínimo de fadiga, e pode ser combinado com Asana.

Os hindus, a quem devemos essas práticas, percebem também (como eu, acima) que a solidez do alimento é uma objeção. Eles tentam viver do Prana (energia sutil) nele contido. Por exemplo, eles ensinam as pessoas a expelir a comida antes que ela atravesse o estômago. No Ocidente, ao invés disso buscamos descobrir concentrações de preparações boas e pré-digeridas com um mínimo de substâncias suscetíveis de formar produtos insolúveis ou resíduos venenosos. Nós, portanto, nos esforçamos para diminuir o trabalho necessário para a assimilação, bem como para evitar sujeira e desordem em nosso Templo. Nós até mesmo eliminamos, oportunamente, todo o canal alimentar, e alimentamos nossos pacientes por injeção direta no sangue, ou por absorção do alimento em algumas membranas mucosas convenientes.

Mas a humanidade – em climas temperados – não pede apenas para existir; exige alegria; e a alegria, fisiologicamente falando, consiste no gasto da energia excedente. Homens que vivem nos trópicos precisam de uma quantidade muito pequena de alimentos uma vez que tudo que nós exigimos além do reparo de tecidos e suprimento de força mecânica, é o calor necessário para manter nossos corpos em 37º centígrados, tanto acima da temperatura do ar. Se já estiver em 27º ou mais, precisamos de metade do que o necessário se estivesse em 17º, ou um terço se estivesse em 7º. No entanto, os homens nos trópicos não são mais energéticos do que nossos escoceses e escandinavos. Aqueles que gostam de dolce far niente[1], repousam, uma vez que estes têm prazer na atividade. Mesmo suas fantasias confirmam isso, um inventando o Nirvana enquanto o outro, o Valhalla.

Nós admiramos as travessuras do cavalo jovem na grama; cultivamos jogos violentos, esportes selvagens e atletismo. Os struldbrugs[2] de Swift são talvez, para nós, de todas as suas criações a mais horrível. A imortalidade que pedimos não é nem preguiça, nem estagnação. Queremos Juventude infinita para desperdiçarmos, assim como queremos dinheiro inesgotável não para acumularmos, mas para gastarmos. Não conseguimos descansar, assim como os povos tropicais não conseguem trabalhar corretamente e eficientemente. Pela nossa teoria eles deveriam viver mais do que nós; mas a mesma temperatura elevada que os favorece ajuda seus inimigos, as bactérias; e falta-lhes a nossa ciência da saúde.

Agora todos os meios que nós tomamos para prolongar a vida, como eu esbocei acima, até então não têm fornecido essa abundância de energia que realmente desejamos. Pessoas com dietas e exercícios respiratórios e similares são geralmente enterradas vivas – algumas delas embranquecidas! O animal que pensa sobre sua saúde já está doente. Ausência de ruído e fricção é o testemunho da função mecânica livre. Medo realmente cria doença, pois a mente começa a explorar e assim interfere com o ritmo inconsciente do corpo, assim como a Edinburgh Review matou John Keats.

O homem com a melhor chance de juventude prolongada é aquele que come e bebe com prazer, não importando muito o que; quem faz as coisas vigorosamente ao ar livre, com o mínimo de precauções de bom senso; e que mantém sua mente ao mesmo tempo completamente ativa, livre de preocupações, e seu coração elevado. Ele chegou, com William Blake, ao Palácio da Sabedoria pelo Caminho do Excesso. Ele está em termos amigáveis ​​com a Natureza, e embora ele não a tema ele presta atenção a ela, e não a provoca. É melhor, diz ele, desgastar-se do que enferrujar-se. Verdade, mas há necessidade de se desgastar? Ele se cansa incorretamente, e cava a sua sepultura com seus dentes.

É este excesso de boa comida, esta adição à nossa Vontade de Viver, que nos faz, como o inglês num belo dia, querer sair e matar alguma coisa. E assim a Morte deposita um pouco mais ácido úrico, em suas Caixas-de-Poupança humanas.

Existem apenas duas soluções possíveis, a invenção de um solvente mais perfeito do que a água, ou um superalimento. A primeira alternativa é, teoricamente, muito improvável. Quanto à segunda, se a comida fosse apenas um agente químico e mecânico em nós, o problema seria um de dieta. Mas há alguma razão para se acreditar que os alimentos contêm uma substância ainda não analisada e não ponderada que é da natureza da Energia pura. Alimentos vivos, como ostras, estimulam de forma inexplicável; alimentos armazenados por muito tempo perdem o seu valor nutritivo, embora o químico e físico possam não detectar mudança alguma. Não precisamos de pesquisas psíquicas, mas apenas bom senso e experiência para nos dizer que há uma diferença entre uma coisa viva e uma morta além dos poderes de detecção dos laboratórios de arrogância e dogmatismo vitorianos.

Um fio de cobre não sofre alterações em sua cor, peso ou composição química quando uma corrente elétrica o atravessa; devemos negar a existência dessa força cuja natureza é ainda perfeitamente misteriosa, apesar de nosso conhecimento de suas propriedades, nossas medidas e nosso controle sobre a mesma? Por que então negar uma força-portadora-de-Vida? Ostensivamente porque “não há nenhuma evidência dela”; mas principalmente porque a hipótese passou a ser jogada no saco de lixo teológico. Mas não temos nada para ocupar a lacuna entre os dois grupos bem determinados dos fatos familiares a todos; a saber, os fatos da “matéria” e os fatos da “mente”.

Ao nosso fio de cobre novamente! A eletricidade é matéria de um tipo sutil e tênue, em um estado peculiar de movimento; assim é a minha hipotética força-portadora-de-Vida. O fio de cobre carregado não se desgasta; por que o corpo humano faria isso, se pudéssemos alimentá-lo com Vida pura?

A Natureza em toda parte é abundante de coisas vivas, animais e vegetais. (Note que estas coisas, e apenas estas, são úteis para nos alimentar.) Que riqueza de força “espiritual” em uma bolota[3]! Que história, seu início velado além de toda busca! Que potencialidade de vida futura, de crescimento, de multiplicação, além de todas as conjecturas! Como nós, ela tem o poder da Vida; ela pode levar coisas vivas e coisas mortas em sua própria substância, ordenando-lhes, para seus próprios fins, que vivam de novo, transfiguradas! Há muito mais energia na bolota que no rádio[4], com o qual os tolos ficam boquiabertos, totalmente maravilhados. Muito mais, e muito maior; o rádio apenas se degenera e se dissipa; a bolota vive!

Mas toda essa energia é latente e potencial; a bolota deve ser alimentada, como o fogo que é. (Pois todo crescimento é uma alteração química, uma espécie de combustão, elemento unido a elemento com violência, com mudança de estado, com calor, luz, prazer, dor, como seus subprodutos. O crescimento coroa a si mesmo com flor ou aroma, com chama ou cor, com sabedoria consciente ou inconsciente). A bolota não pode acumular sua riqueza ou experiência, usa seu crédito de possibilidade, a não ser tomando terra, ar e água em parceria, e invocando na Ventura, a Bênção do Sol. Se destruirmos as paredes frágeis de sua enorme Biblioteca de Sabedoria, fazemos nada se não o que o sarraceno fez em Alexandria. As eras desenham capuzes pretos sobre suas poderosas testas; elas cobrem seus inescrutáveis olhos; elas não mais nos criticam; sua voz é Silêncio, Mistério, Esquecimento; e ficamos órfãos, expostos como Édipo, crupiê trapaceiro, Malícia, carregada com uma maldição. Onde está a sabedoria preciosa daquele mundo morto? Onde está a Esfinge que se escondia em nossa bolota esmagada? Estava, não está. O próprio amor não mais intangível, mais fugitivo, mais trágico, ou mais insensato. Seu Destino? Os oráculos escarnecem; os hieróglifos são indecifráveis; o cordeiro negro é encontrado sem coração, e nós temos que fazer nossa peregrinação forçosamente para o altar do Deus Desconhecido. Tudo que podemos dizer é: Não é. Não, mas era; e assim, de alguma forma estranha, deve ser; senão toda a ciência e toda a matemática seriam falsidade e zombaria.

Mas, como há muito aprendemos, primeiramente a distinguir o âmbar friccionado[5] do não friccionado, depois a medir, e por último a controlar, apesar de ainda não entendermos a natureza da força que fez essa distinção; da mesma forma podemos distinguir os vivos dos mortos, podemos até mesmo medir a vida a grosso modo, prestando atenção às suas manifestações e provas externas; então viremos a controlá-la, talvez – não, certamente! – a criá-la.

Ainda não podemos comandar as forças da bolota, exceto nos limites mais estreitos; podemos parar, impedir ou fomentar, até distorcer o seu crescimento; mas não podemos levá-la tão longe de seu caminho como para fazer que dela cresçam ulmeiros. Mas isso é devido à propensão e escopo definidos da estrutura particular da base física da Força Vital que deve ser uma, assim como a Eletricidade é uma.

Seremos capazes de reunir, se não de criar, esta Vida; de transmutá-la em outras formas de força, como agora nós transmutamos calor em luz. Seremos capazes de armazená-la, aproveitá-la, conduzi-la; absorvermos nós mesmos a sua energia diretamente, sem recorrer aos nossos atuais meios brutos, ineficientes, incômodos e perigosos de abstraí-la de minérios (se assim posso dizer) mecanicamente, cegamente, empiricamente e com tal labuta e conflito. Nossa jornada – por tais meios de trânsito – é necessária e odiosa; nossos companheiros de viagem são as nossas doenças, e a anfitriã a nos confortar no final do dia curto e cansado, é a Morte.

Como não podemos beber na fonte da Vida, manter a Juventude perpétua como podemos manter a Luz – a realização estranha do sonho do Rosacruz, ou, talvez, a descoberta de seu segredo!

Mas nós descobrimos o Superalimento. Conhecemos um veículo pelo qual alguns grãos podem abrigar luz pura suficiente para satisfazer um homem não só com alimento, mas com Energia quase sobre-humana, e em paralelo, Inteligência incrivelmente brilhante como o sol por vinte e quatro horas. Essa substância é teoricamente fácil, mas praticamente difícil, de se obter. Na Inglaterra e na América seria impossível de adquirir qualquer quantidade, mesmo da matéria-prima, pelo menos em força e pureza; muito menos de prepará-la. Sabemos como carregar essa substância com a Força Vital. O processo atualmente é trabalhoso e caro; grande habilidade é necessária, e muita precaução pois erros na preparação são difíceis de detectar, e podem resultar em um desastre horrível.

Fazem agora seis anos desde que obtivemos nosso conhecimento. Eles foram coroados com a experiência; chegamos ao estágio prático. Nós não conseguimos compreender a verdadeira Natureza dessa força; não podemos medi-la; não podemos criá-la, ou obtê-la sinteticamente. Mas podemos purificá-la e intensificá-la; podemos, dentro de amplos limites, determinar à vontade a qualidade e o alcance de sua ação; podemos adiar a morte, aumentar a energia ou prolongar a juventude; e nós somos justificados em dizer que possuímos o Elixir da Vida.

666

Nota: O Elixir só é administrado para indivíduos selecionados por uma boa razão demonstrada. O curso normal do tratamento consiste numa preparação de dois ou três meses no lugar preparado para este propósito na Sicília, seguido pelo período necessário, geralmente de um mês, da própria experiência que é feita sob o maior sigilo.

Aqui às 5h50min (hora oficial) no
Dia de Diana, sendo 7 de junho,
Ano XVI, Sol em Gêmeos.


[1] [Literalmente “doce nada fazer”, ou “doce ociosidade”.]

[2] [Uma das raça de As Viagens de Gulliver (de Jonathan Swift), que, apesar de serem imortais, continuavam envelhecendo.]

[3] [A bolota é o fruto do carvalho.]

[4] [O elemento químico.]

[5] [Se refere a experiências científicas envolvendo âmbar e eletricidade estática através da fricção.]


Traduzido por André Bassi e Frater V.I.T.R.I.O.L.

Gostou deste artigo?
Contribua com a nossa biblioteca