O Caminho do Mago

Um poema sobre o caminho do feiticeiro, extraído de O Equinócio I (1), 1909.

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O Caminho do Feiticeiro

Suave como veludo a estrela noturna brilhou
Sobre uma estrada não trilhada,
Através das gigantes clareiras de coníferas
Onde seus raios caem suaves como orvalho,
Iluminando o véu cintilante
Virginalmente puro, elevado e frágil
Que as aranhas tecem para esconder
O rubor da noiva silvestre
Terra, que estremece em deleite
Com a máscula carícia da Noite

Suaves como veludo são os passos do bruxo
Para o Sabbath de seu Deus.
Com seus pés descalços ele faz
Botões estrelados na clareira,
Suave, suave, veio
Ao sombrio sacramento,
Furtivamente indo ao encontro
Em seu brilho de ametista.

Precocemente sua alma veio
À Colina do Martírio,
Onde a carbonizada e torta estaca
Como uma serpente de veneno negro
Pela mão do enforcado é certa
Através da poeira úmida e retorcida,
Nunca negro e nunca seco
Sangue  do coração de um suicídio.

Ele colheu a vara de avelã
Do rude e caprino deus,
Mesmo como a minguante luz da lua curvada
Roubada do Rei do Dia.
Ele aprendeu o sinal élfico;
Deu o sinal do Nove:
Uma vez para enfurecer-se e uma vez para alegrar-se,
Uma vez para curvar-se diante do demônio,
Uma vez para balançar o turíbulo,
Uma vez para beijar o bode do inferno,
Uma vez para dançar e uma vez para cantar,
Uma vez para untar as coisas saborosas
Da bruxa com olhos verde-mar
Com os unguentos mágicos.

Oh o mel e o fel
Dos negros lábios do encantador
Enquanto ele sussurra para o eclipse,
Misturando aquele mais possante feitiço
Dos deuses gigantes do inferno
Com os quatro ingredientes
Dos elementos maléficos;
Âmbar cinza do mineral dourado,
Almíscar de boi da jarra mongol,
Algália de uma caixa de jade,
Misturado com gordura de muitas virgens
Assassinadas pelo frio encantamento
Das bruxas selvagens e velhas.

Ele crucificou um sapo
Na abadia do basilisco,
Murmurando as runas aversas
Louco com muitos uma maldição desdenhosa.

Ele traçou o sigilo da serpente
Em sua apavorante vigília virgem.
Sursum cor! A colina diabólica,
Onde os ventos sopram mortais calafrios
Do mundo que abaixo em que geme
A garganta negra e dentes sem lábios da morte.
Lá ele se colocou de pé – seu peito nu –
Traçando vida sobre o Ar
Com o cajado e com o malho
Fustigando a frente  na ventania,
Até que sua lâmina que tremeluzia,
Como o tremeluzir da morte
Afundou diante de seu sutil cerco
Ao mundo sem estrelas dos sentidos.

Visto que ao menos o homem veio
Quiçá ao seu santuário.
Certamente como ele balança sua vara
Em círculo no gramado
Floresce esmeralda casto e limpo
Do tedioso verde pálido.
Certamente no circulo milhões
De imaculados pavilhões
Brota sobre a trêmula relva
Como a estrela do mar na arrebentação –
Milhões de tendas adornadas
Para os sacramentos do guerreiro.

Vasto, vasto, vasto, vasto,
Cresce a estatura do Mestre;
Todas as vias em forma de anel do acampamento
Com infinitas galáxias.
No meio uma pedra cúbica
Com o demônio colocada ali;
Teve a garganta virginal de um cordeiro;
Teve o corpo de um arminho;
Teve as nádegas de um bode;
Teve sanguínea a face e a vara
De uma deusa e um deus!

Feitiço por feitiço e passo por passo!
Flashes místicos rodopiam e traçam
Suave como o veludo os sigilos pisados
Pelo adepto de prata constelado.
Para frente e para trás, para lá e para cá,
Alma e corpo balançam e fluem
Em carícias vertiginosas
Para imponderáveis retiros,
Até que por fim o feitiço é tecido,
E o véu feérico é partido
Isso é Sequência, Espaço e Estresse
Da consciência do doente de alma.
“Dê o corpo para as bestas!
Dê o espírito aos sacerdotes!
Quebre ao meio a vara de avelã
Nos lábios virgens de Deus!
Parta a Rosa Cruz em pedaços!
Despedace o raio negro de trovão!
Sugue o escuro beijo ensanguentado
Do abismo resoluto!”
Trama majestosa o feiticeiro ouviu
Esta palavra intolerável.

Golpeada a explosiva vara de avelã
Nos lábios escarlates de Deus;
Espezinhada a Cruz de róseo coração;
Quebrado a ferramenta-trovão de Thor;
Dócil e santo acólito
Dos sacerdotais infernos de maldade,
Sagaz e sem-vergonha catamito
Das bestas que vagueiam pela noite!

Como uma estrela que sai do paraíso
Pelos ares virginais da fenda de luz,
Desde o elevar é arruinado e caído
Um milagre admirável.
Talhada de repente e limpa, a chave
De puro lápis-lazúli
Mais azul que o cego céu sentido
(Decorado com as estrelas, suas cobras torturantes),
Pelo beijo do deus morto que nunca acorda;
Atingido com douradas manchas de fogo
Como uma virgem com desejo.
Olhe, as alavancas! Folhas frágeis de samambaia
De fantásticos diamantes,
Alumiando com azul-celeste etéreo
Por cada excelente fresta.
No mastro as acordoadas letras,
Como que dríades virgens de lua
Com os sátiros abraçadas,
Escrevem o segredo da chave:
SIC PERVENIAS. E ele
Percorreu seu caminho do Feiticeiro, desatando
Sonhos de coisas além da crença.

Quando ele deseja, o cansado mundo
De sentidos juntamente enroscados
Como uma serpente em volta de seu coração
Sacode-se e coloca-se a disposição.
Então o sangue do coração em chamas expandindo,
Tenaz, urgente e governando;
E a chave destranca a porta
Onde seu amor jaz eternamente.

Ela é de sangue feérico;
Todo o fluxo esmeraldino é seu alimento.
Brilhando no céu de âmbar
Para enfeitiçadas porfirias.
Ela tem os olhos de faiscante centelha
Como uma fria cobra d’água cinza.
Ela têm seios nus de âmbar
Vinho jorrando em sua câmara de leito,
Donde quem quer que seja que entra e bebe
Torna-se réu do enigma da Esfinge.

Ela tem membros nus de âmbar
Pelos quais suas  crianças escalam.
Ela tem cinco umbigos vermelhos-rosados
Das cinco feridas de Deus que sangram;
Cada ferida que foi mãe dela ainda sangra,
E deste sangue seus bebês se alimentam.
Oh! Como um pelicano de asas róseas
Ela gerou benditos bebês para Pan!
Oh! Como um rouxinol cor-de-leão
Ela partiu seu peito em espinhos para ajudar
A estéril roseira a renovar
Sua vida com aquele desastroso orvalho,
Edificando a rosa do mundo à luz
Com música saída do pálido luar!
Ela é como o rio de sangue
Que rompe dos lábios do deus bastardo,
Quando ele vê o sorriso da mãe sagrada
No íbis que voou pela espuma do Nilo
Dando à luz membros  não abençoados, não nascidos,
Que a besta espreitadora do Nilo partiu!
Então (pois o mundo está farto) Eu
Estas temerosas almas dos sentidos jazem à parte.
Eu sacrifico este impuro calçado
Ao frio raio da lua minguante.
Eu tomo a forquilha de amendoeira,
E a rosa sem grafia terrena,
E a lampa que não usa óleo de oliva
Com o sangue do coração que deve ferver sozinho.
Com o peito nu e os pés descalços
Eu sigo o caminho mágico de Deus.

Onde quer que ele leve meus pés seguirão:
Pelas alturas, vazio adentro,
Cavernas de puro hálito frio adentro,
Profundezas da quente e feia morte a dentro,
Por sobre as águas, através do fogo,
Acima dos lugares de desejos;
Aonde ele for, quer ele queira ou não,
Se eu for, eu não ligo para onde vou.

Para mim é a mancha de sangue feérico.
Rápido, rápido, é dilúvio esmeraldino
Salta junto de mim, violenta e rudemente
Como a beatitude de um fauno bestial.
Em mim o sangue feérico corre com esforço;
Meus senhores são um druida, um demônio, um bardo,
Uma besta, um feiticeiro, uma cobra e um sátiro;
Pois – como minha mãe disse – o que isso importa?

Ela era uma fada, pura do país das fadas;
Filha da rainha Morgan com um elevado
Demônio que veio a Orkney uma vez
Para dar ao Escaravelho suas orações.

Assim, sou eu que me torço em convulsão
Do sangue feérico, e o comichão de feiticeiro
Para atingir uma matéria que não se pode expressar
Ao invés de afundar em gorduroso balbuciar
De bretões mascando seu pão e manteiga;
Garotos doentes e garotas ásperas
Crescidos em mulheres preguiçosas e caipiras embrutecidos.
Assim, eu empunho o bastão
Para a luz infinita da terra sem nome.

A Escuridão separa seus leitos sombrios,
Borrando os sonhos travessos.
Eu poderia quiçá me preocupar,
Não é que a Dama da Pena
Guiou-me suavemente pela mão,
Cochichando-me para que eu compreendesse.
Visto que (quando através do mundo de lacrimejante
Luz ao menos rastejantemente estelar
Infiltra-se sobre minha visão recém-nascida,
Luz – Oh Luz que não é luz!)
Em minha boca os lábios dela
Como uma pedra em meu sepulcro
Sela minha fala em êxtase,
Até que uma criança nasce de mim
Que é mais silenciosa que eu;
Pois seu choro inarticulado
Silencia quando sua boca é pressionada
Contra a pérola, seu seio de mel;
Enquanto ele respira ondas divinas
As pétalas de rosa de seus mamilos,
E o leite que jorra ele lambe
Das macias e deliciosas tetas,
Mais doces que o derramado pelas abelhas
No cálice das flores,
Mais intoxicantes que
Todas as uvas roxas de Pan.

Ah, meus próprios lábios tranquilizaram-se.
Único, todo o mundo é preenchido
Com o eco, que goteja
Como o mel do trevo.
Paixão, penitência e dor
Busca o útero da mãe novamente,
E está nascido o tesouro triplo,
Paz, pureza e prazer.

– Acalme-se minha criança, e sobe
Onde as estrelas são macias como veludo!

Aleister Crowley


Traduzido por Frater Acalanatha

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