As Doutrinas do Budismo
Este artigo é um capítulo de O Templo do Rei Salomão
Um resumo do sistema budista.
As Doutrinas do Budismo
Tendo se sentado por sete longos anos sob a árvore Bodhi, Gautama abriu os olhos, e percebendo o mundo de Samsâra* exclamou: “Quod erat demonstrandum!” É verdade, ele atingiu o olho imaculado da Verdade e se tornou Buda o Iluminado; ele entrou no Nada do Nibbâna, † e tornou-se um com o Não-criado e o Indestrutível. E agora ele ficou mais uma vez na linha da costa da existência e viu as ondas da vida rolar em direção à terra, curvar, pausar e chiar sobre a praia, apenas para voltar pro oceano de onde vieram. Ele não negou a existência do Divino, (como poderia já que se tornou um com ele?) mas ele estava tão repleto com a luz de Amitâbha‡, que ele percebeu completamente que somente pelo Silêncio o mundo poderia ser salvo, e que pela negação do Incognoscível do não-iniciado, o Kether, o Âtman, a Causa Primeira, o Deus dos não esclarecidos, ele poderia ter a esperança de atrair a humanidade para aquela grande LVX ilimitada, do qual ele havia descido como um Adepto iluminado de Deus. Ele percebeu plenamente que admitir em seu argumento o comentário de Deus era apagar todas as esperanças de libertação do texto e, portanto, apesar de que ele tivesse se tornado O Buda, no entanto, em sua abnegação ele rebaixou-se ao nível dos mais baixos da humanidade, e abandonando como escória os poderes estupendos que adquiriu, ajudou seus semelhantes a perceber o caminho correto pelo mais universal de todos os símbolos — a desgraça do mundo, o sofrimento da humanidade.
* O mundo de inquietação e transitoriedade, de nascimento e morte.
† A Grande Consecução do Budismo. Nossa terminologia agora degenera na vulgaridade repugnante do dialeto Pali.
‡ A Luz Ilimitada dos budistas Mahâyâna. Comparada com o Nibbâna canônico tem uma relação muito semelhante a ele, assim como o Ain Soph Aur, a Luz Ilimitável, tem com o Ain, o Que Existe negativamente. No Upanixade Brihadâranyk 4. 4. 66. Brahman é chamado de “jyotishâm jyotis”, que significa “a luz das luzes” — uma concepção similar.
Como os Vendântis, ele percebeu que o ponto crucial de todo o problema era a Ignorância (Avijjâ). Dissipe essa ignorância, e a iluminação tomará seu lugar, essa introspeção sobre a verdadeira natureza das coisas, que, pouco a pouco, conduz o Aspirante para fora do mundo de nascimento e morte, o mundo do Samsâra, para aquele Nibbâna inescrutável onde as coisas em si deixam de existir, e com elas os pensamentos que vão desenvolvê-las. A Ignorância é o maior de todos os Grilhões, e, “aquele que peca sem querer”, como Nâgasena disse, “tem o maior demérito”.
Perguntando-se sobre a natureza particular da Ignorância, Buda descobriu que a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal tinha três ramos principais, a saber: Lobha, Dosa e Moha; Desejo, Paixão e a Ilusão do Self, e que estas três formas de Ignorância só poderiam ser conquistadas pelo entendimento correto dos Três Grandes Sinais ou Características de toda a Existência, a saber: Mudança, Sofrimento e Ausência de um Ego — Anikka, Dukkha e Anatta, que foram atingidas meditando-se sobre o significado mais profundo das Quatro Nobres Verdades:
“A Verdade sobre o Sofrimento; a Verdade sobre a Causa do Sofrimento; a Verdade sobre a Cessação do Sofrimento; e a Verdade sobre o Caminho que leva à Cessação do Sofrimento”. Estas consistem das três características acima mais o Nobre Caminho Óctuplo, que contém, como logo veremos, todo o cânone budista.
Até este ponto, exceto a negação do Ego, toda a doutrina acima poderia ter sido extraída de praticamente qualquer um dos Upanixades. Mas há uma diferença, e a diferença é essa. Embora o Vedântista percebesse que a Ignorância (Avidyâ) era a base de todo o Sofrimento, e que tudo, possuindo a essência da Mudança, era apenas ilusão ou Mâyâ, uma questão de nome e forma*; Buda agora demonstrou que o verdadeiro caminho da libertação era através da Razão (Ruach) e não através dos sentidos (Nephesh), como muitos dos Upanixades dariam a crer. Além disso, este foi o caminho que Gautama trilhou, e, portanto, naturalmente rogava outros a percorrê-lo. O Vedântista tentou atingir a unidade com o Âtman (Kether) † por meio de suas Emoções (Nephesh) interrelacionados com a sua Razão (Ruach), mas o Buda só por meio de sua Razão (Ruach). Buda tentou cortar toda a alegria do mundo, substituindo-na por um racionalismo implacável, uma moral austera e inflexível, pouco vendo que as tristezas da Terra que seu sistema colocou no lugar das alegrias do Céu, embora possam não perturbar o seu self autoconquistado, devem perturbar as mentes de seus seguidores, e produzir emoções de uma intensidade quase igual embora talvez de caráter oposto às de seus adversários. Mesmo assim, no entanto, por um espaço, o Racionalismo inflexível de seu Sistema prevaleceu e esmagou as Emoções de seus seguidores, essas Emoções que encontraram um solo tão rico e fértil na filosofia decadente do antigo Vedânta. A instrução no Dhammapada de que: “Tudo o que somos é o resultado do que nós pensamos: é fundado sobre os nossos pensamentos, é composto de nossos pensamentos:”* é igualmente verdade pro Vedânta e pro Budismo . Mas, no primeiro temos a grande doutrina e prática dos Siddhis diretamente atribuíveis a um domínio das emoções e, em seguida, ao uso do mesmo, o que é estritamente proibido ao budista, mas que, eventualmente, sob o Budismo Mahâyâna da China e do Tibete, se forçou mais uma vez ao reconhecimento, e que, mesmo na época da escrita de “As Perguntas do Rei Milinda”, a menos que a bela história da cortesã Bindumati seja uma interpolação mais recente, foi altamente pensado sob o nome de um “Ato de Verdade”. Assim, embora o rei Sivi deu os olhos para o homem que implorou-los dele, ele recebeu outros por um Ato de Verdade, pelo dom de Siddhi, ou Iddhi, como os budistas chamam. Um Ato, que é explicado pela justa cortesã Bindumati, como se segue. Quando o Rei Asoka perguntou-lhe por qual poder ela havia feito as águas do Ganges correrem para trás, ela respondeu:
* Vimos como no Upanixade Chândogya que todas as coisas, incluindo até mesmo os quatro Vedas, são chamadas de “nâma eva” — mero nome. Agora, em “A Perguntas do Rei Milinda” encontramos Nâgasena afirmando todas as coisas apenas como “nome e forma”, a diferença entre os quais encontra-se em que “Tudo o que é denso, nele está a ‘forma:’ o que é sutil, mental, é o ‘nome’”. Mas que ambos são dependentes um do outro, e crescem, não separadamente, mas juntos. “As Perguntas do Rei Milinda”, ii. 2. 8.
† Não deve ser esquecido que, em sua interpretação final, o Âtman é o Ain, no entanto, usamos essa leitura o mais raramente possível, já que é tão vaga.
* Dhammapada, v. 1.
Ó Rei, todo aquele que me dá ouro — seja ele um nobre, ou um brâmane, ou um comerciante, ou um servo — eu considero todos iguais. Quando vejo que ele é um nobre eu não faço nenhuma distinção a seu favor. Se eu sei que ele é um escravo eu não o desprezo. Livre tanto da bajulação quanto da antipatia, eu presto o serviço para quem me contratou. Isso, vossa Majestade, é a base do Ato da Verdade pela força do qual eu fiz o Ganges virar para trás.*
* “As Perguntas do Rei Milinda”, iv, 1, 48. Veja também a história da Codorna Sagrada no “Buddhist Birth Stories” de Rhys Davids, p. 302. Estes Iddhis também são chamados de Abhijnyâs. Existem seis deles: (1) clarividência; (2) clariaudiência; (3) poderes de transformação, (4) poderes de recordar vidas passadas; (5) poderes de ler os pensamentos dos outros; (6) o conhecimento de compreender a finalidade do fluxo da vida. Consulte também “Konx Om Pax,” pp. 47, 48.
Em outras palavras, ignorando todos os acidentes, todas as questões do acaso, e pondo-se a trabalhar, sem favor ou preconceito, para realizar o objetivo único em vista, e assim, finalmente, “interpretar todo fenômeno como um trato particular de Deus com a alma”. Na verdade este é um “Ato de Verdade”, o Poder começado através da Concentração e nada mais.
Vimos no início deste capítulo como o Âtman (essa Essência além do Ser e Não Ser) alegoricamente caiu clamando “Isso sou eu”, e como a grande Hipocrisia surgiu supondo Âtmans individuais por todos os seres, e as coisas que tinham que encarnar de novo e de novo antes de finalmente serem engolidas no Único Âtman do Princípio. Esta Concepção Individualista Gautama baniu, ele não teria nada disso; uma Alma, um Espírito, uma entidade separada era anátema para ele; mas ao derrubar o Vedânta corrupto dos especialistas de antigamente, de forma parecida com Lutero, que muitos séculos depois rasgou as vaidades de mau gosto de fora da Roma prostituta, aproximando a sua Igreja reformada da irmandade comum de Cristo, Gautama, o Iluminado, o Buda, da mesma forma agora voltou aos tempos Védicos e à sabedoria dos Rishis antigos. Mas, temendo as associações malignas apegadas a um nome, ele, anatematizando o Âtman, em seu lugar escreveu Nibbâna, que de acordo com Nâgasena é a cessação*, um falecimento em que nada permanece, um fim.† Logo, porém, sob o Budismo Mahâyâna, o Âtman seria revivido em toda a sua glória antiga sob o nome de Amitâbha, ou aquela Fonte de toda Luz, que tanto ilumina um homem que aspira ao Bodhi que ele se torna um Buda. “Amitâbha”, assim Paul Carus nos informa, “é a norma final da sabedoria e da moralidade‡ (sic), o padrão da verdade e da justiça, o raison d’être ultimal da Ordem Cósmica”. Isso, é claro, é “tolice”. Amitâbha, assim como o Âtman, é “a luz que brilha lá além do céu por trás de todas as coisas, por trás de cada nos mais altos mundos, o maior de todos”.§
* “As Perguntas do Rei Milinda”, iii, 4, 6. † Ibid., iii, 5, 10.
‡ É curioso como, inversamente de acordo com a quantidade de moralidade pregada é a moralidade praticada na América; na verdade, já há quase tantos escritores morais quanto leitores imorais. Paul Carus é tão completamente ignorante sobre o Budismo quanto é sobre cuidar de bebês — ele escreveu sobre estes dois temas e muitos mais, todos flatulentamente.
§ Chândogya, 3, 13, 7. 130
Uma vez que logicamente tendo esmagado a ideia de uma alma individual, tiveram que ser postos de lado um Deus pessoal e então um Deus impessoal, e com eles a ideia de uma Primeira Causa ou Princípio; pergunta a respeito da qual Buda se recusou a dar uma resposta. Pois, ele viu bem, que a ideia de um Deus Supremo era o maior dos demônios com cara de cão que seduziam o homem para fora do caminho. “Não há Deus, e eu me recuso a discutir o que não é!” afirma Buda, “mas há o Sofrimento e pretendo destruí-lo”. Se eu pudesse apenas levar as pessoas a começar a jornada para cima, eles muito em breve deixariam de se importar se há um Deus ou se há um Não-Deus; mas se eu lhes dou a menor razão para esperar qualquer recompensa exceto a cessação do Sofrimento, seria colocá-las a cacarejar sobre o futuro como galinhas sobre um ovo de porcelana, e logo estariam de volta ao velho jogo de contar com suas galinhas antes que elas nascessem. Ele também deve ter visto que, se ele postulasse um Deus, ou Primeira Causa, todo racionalista imaturo em Pâtaliputta clamaria, “Ó, mas que Deus, que Deus perverso deve ser o seu, que permite este sofrimento do qual você fala. . . agora olhe para o meu. . .” pouco percebendo que o sofrimento era extamente o mesmo com ou sem a ideia de Deus, e que tudo de fato era Moha ou Mâyâ — tanto Deus quanto Não-Deus, Sofrimento e Alegria.
Mas Buda sendo um médico prático, embora soubesse que o sofrimento era apenas uma forma de pensar, era mais seguro mantê-lo como uma calamidade tão real quanto possível; pois ele viu bem que, se ele apenas pudesse levar as pessoas a concentrar-se sobre o Sofrimento e suas Causas, que o final não poderia estar longe, tanto do Sofrimento quanto da Alegria; mas, se eles começassem a especular sobre o seu caráter ilusório, esta feliz libertação sempre permaneceria distante. Seu negócio sobre a Terra era inteiramente prático e exotérico, de nenhuma forma místico; era racional, não emocional, católico e não secreto.
Qual é, então, a Causa do Sofrimento? e a resposta dada por Gautama é: Karma ou Ação, que uma vez concluída, torna-se latente e estática, e de acordo com o que foi realizado, quando mais uma vez torna-se dinâmica, é o seu efeito resultante. Assim, uma boa ação produz uma boa reação, e uma má, uma ruim. Isto pressupõe um código de moral, fornecido pelo quê?* Não podemos chamá-lo de Âtman, Consciência, ou Alma; e um Poder de Seleção, que, no entanto, é veementemente negado pela lei rígida de Causa e Efeito. No entanto, os olhos mentais da grande maioria de seus seguidores não eram tão claros para perfurar a escuridão da filosofia metafísica, e assim aconteceu que, onde o idealismo do Venânta falhou, o realismo do Budismo conseguiu.**
* Vinte e três séculos mais tarde, Kant caindo sobre este ponto crucial, postulou suas “doze categorias”, ou devemos dizer “emanações”, e assim começou rotacionando mais uma vez a Roda da Fortuna Sephirótica.
** Apesar do fato de que o Budismo insiste que “o mundo inteiro está sob a Lei de Causalidade”, comanda seus seguidores a levar uma vida pura e nobre ao invés de desonrosa, apesar de não terem nenhuma liberdade de escolha entre o bem eo mal. “Não nos percamos em especulações vãs sobre sutilezas inúteis”, diz o Dhammapada, “entreguemos o egoísmo e toda a abnegação, e como todas as coisas estão fixadas pela causalidade, pratiquemos o bem de modo que o bem resulte de nossas ações”. Como se pudesse ser feito já que “todas as coisas estão fixadas”. O budista, em teoria tendo postulado que todas as galinhas põe ovos duros de cozinhar, adiciona, o homem ideal é aquele que só pode fazer omeletes.
Esta negação de um Âtman Universal, e um Âtman pessoal, logo trouxe os argumentos éticos e filosóficos de Gautama contra uma parede de tijolos (o “à priori” de Kant). Como vimos, ele não poderia sustentar um princípio fictício pela suposição do anterior, e ele não se atreveu a usar Nibbâna como tal, embora na verdade o Princípio seja tão incompreensível com ou sem um Âtman. Mas, apesar do seu ter negado o anterior, ele tinha de prestar contas pela Causalidade e pela transmissão de seu Bem e Mal (Karma) de uma maneira ou de outra. Agora, de acordo com Nâgasena, o Abençoado se recusou a responder a quaisquer perguntas do tipo “O universo é eterno?” “Não é eterno?” “Tem um fim?” ”Não tem um fim?” “É tanto findável quanto infindável?” “Não é nem um nem o outro?” E ainda a todas as perguntas como: “A alma e o corpo são a mesma coisa?” “A alma é distinta do corpo?” “Será que um Tathagata existe após a morte?” “Será que ele não existe após a morte?” “Será que ele existe e não existe após a morte?” “Será que ele nem existiria e nem não existiria após a morte?”. . . Porque “os Budas Abençoados não levantarão a sua voz sem um motivo e sem um objetivo”.* Mas apesar de não serem nenhuma alma “no sentido mais elevado”†, Gautama devia postular algum veículo que iria transmitiria o sofrimento de uma geração a outra, de um instante de tempo para o próximo; e, não sendo capaz de usar a ideia familiar de Âtman, ao invés disso ele fez a do Karma exercer uma dupla função. “Ele não morre até que aquele Karma maligno seja esgotado”, diz Nâgasena.‡
* “As Perguntas do Rei Milinda”, iv, 2, 5.
† Ibid., iii, 5, 6.
‡ Ibid., iii, 4, 4.
Agora isso nos leva a uma questão complexa extraordinária, ou seja, qual a diferença prática entre o Karma menos Âtman dos budistas, e o Karma mais Âtman dos antigos Vedântistas?
A ideia de Brahman era, a princípio, o um do todo completo, este conforme o comentário suplantou o texto, se desgastou em inúmeras unidades ou Âtmans, que, por conta de Karma, nasceram de novo e de novo até que o Karma foi esgotado e o Âtman individual retornou ao Âtman universal. Buda, apagando o Âtman, apesar de ter se recusado a discutir o Princípio, postulou Nibbâna como o fim, fato que por outro lado também postula o Princípio como o Nibbâna. Portanto, temos todas as coisas provenientes de um sinal x, Âtman, Nibbâna, Deus, Ain ou Causa Primeira, e, eventualmente, retornando a este Equilíbrio primordial. A dificuldade que agora permanece é constuir um caminho entre estes meios divididos. Para Gautama não há unidade, e a existência por si é a Ignorância causada como se fosse por um sonho ruim na cabeça do Nibbâna indefinível; que por si só, entretanto, é inexistente. Cada homem é, por assim dizer, um pensamento em um cérebro universal, cada pensamento chocando contra o próximo e prolongando o sonho. Conforme cada pensamento individual morre, ele adentra Nibbâna e deixa de ser, e, eventualmente, quando todos os pensamentos morrerem o sonho passa e Nibbâna acorda.* Este sonho ruim parece ser causado por uma separação entre Sujeito e Objeto, o que significa Sofrimento; quando o sono desaparece essa separação desaparece com ele, as coisas assumem a sua proporção correta e podem ser equiparadas a um estado de felicidade ou não-Sofrimento.
* Compare com o “Upanixade Mândûkya”, 1, 16. Na ilusão infinita do universo / A alma dorme; quando se desperta / Então ali acorda o Eterno, / Livre do tempo e do sono e dos sonhos.
Assim, descobrimos que Nirvana e Nibbâna são o mesmo† tanto no fato quanto na etimologia, e que a absorção em qualquer um dos dois pode ser considerada como re-entrar naquele Equilíbrio do qual nos originamos.
† A maioria dos budistas levantará um uivo terrível quando ler isso; mas, apesar de sua declaração de que o Nirvana hindu, a absorção em Brahman, não corresponde com o seu Nibbâna, mas sim com seu quarto Arûpa-Vimokha, nós, no entanto, mantemos que o Nirvana e o Nibbâna em essência são o mesmo, ou em detalhe, se a lógica for necessária em um argumento tão ilógico, certamente tomou mais partido com Nirvana do que Nibbâna. O Nibbâna é Final, diz o budista, uma vez que um indivíduo entre nele não há como sair novamente, na verdade, uma espécie de Prisão Espiritual, pois é Niccain, imutável; mas certamente Brahman não é isso, pois todas as coisas no Universo originaram-se dele. Isto é como deveria ser, no entanto, vemos pouca diferença entre proceder de e proceder para, quando se trata de uma questão de Primeira e Última Causas. A única razão pela qual o budista não cai na armadilha é, não porque ele tenha explicado Brahman, mas porque ele se recusou a discuti-lo de qualquer modo. Além disso, o budista argumenta que mesmo que o hindu atinja pela exaltação de sua individualidade o Arûpa Brahma-loka, mesmo assim por um período incalculável ele iria permanecer lá, até que no final o Karma, uma vez mais exerceria seu domínio sobre ele, “e ele morreria como um Arûpabrahmaloka-Deva, seus Sankhâras dando origem a um ser de acordo com a natureza de seu Karma inesgotado”. No “Buddhism”, vol. i, No. 2, p. 323, lemos: “Falando de outra maneira; você diz que o Universo veio de Brahman, e que em um momento não havia nada exceto Brahman. Em seguida, ‘No princípio o Desejo surgiu nele, que foi o germe primordial da Mente’. De onde é que esse desejo vem, se o Brahman era Tudo, e era o Imutável. . . . Novamente, se o Brahman era Tudo, e era perfeito, então qual era o objeto desta emanação de um Universo cheio de Sofrimento?” O Vedântista naturalmente responderia a isso: “Falando de outra maneira: você diz que o Universo irá para o Nibbâna, e que em um momento não haverá nada exceto o Nibbâna. Então no final o Desejo morre nisso, que foi o germe primordial da mente. Para onde esse desejo irá, se Nibbâna será o Tudo, e o Imutável. . . . Novamente, se Nibbâna será o Tudo, e será perfeito, então qual será o objeto desta emanação de um Universo cheio de Sofrimento?” Isso tudo é o mero disparate de um ateu de Hyde Park ou pregador de Christian Evidence. Admitidamente, o Brahman hindu é racionalmente ridículo, mas, no entanto, é mais racional supor uma cadeia contínua de universos repletos de Sofrimento e estados de esquecimento do que um inexplicado Estado de Sofrimento e uma inexplicável Finalidade. É tão racional ou irracional perguntar de onde “Braham” veio, quanto perguntar de onde o “Karma” veio. Ambos são ilusões, e como a discussão do mesmo só irá criar uma confusão maior do que nunca, cortemos o nó górdio, deixando-no em paz, e preparemo-nos para nos tornar Arahats, e entrar na casa que tão misteriosamente está diante de nós, e ver o que realmente há dentro dela, em vez de devanear no quintal e especular sobre o seu conteúdo, seus móveis, o tamanho dos seus quartos, e todas as senhoras bonitas que escândalos ou rumores supõem que abriga. Ao trabalho! sobre o muro do jardim, e com o choro de Romeo: Posso prosseguir quando o meu coração está aqui? / Volta, terra maçante e descobre teu centro.
As primeiras e as últimas palavras foram escritas sobre esta absorção final tanto pelo Vedântista quanto pelo Buda de forma parecida.
Ali nenhum sol brilha, nenhuma lua, nem estrelas brilhantes, nem relâmpagos além, o fogo da terra é apagado; dele, o único que brilha, tudo empresta seu brilho, o mundo inteiro irrompe em esplendor em seu brilhar.*
* Upanixade Kâthaka, 5, 15.
E —
Existe, ó Irmãos, um Reino onde não há nem Terra nem Água nem Chama nem Ar; nem o vasto Æthyr nem a Infinidade do Pensamento, nem o Vazio Absoluto nem a co-existência da Cognição e Não-cognição está lá: — nem este Mundo nem Outro, nem Sol nem Lua. Isso, Irmãos, declaro-vos nem como um Tornar-se nem como um Falecer: — nem Vida nem Morte nem Nascimento; Inencontrável, Imutável e Incausado: — Esse é o fim do Sofrimento.*
* O Livro dos Enunciados Solenes.
Gautama, portanto, teve de se safar. Inquestionavelmente a ideia de Alma deve partir, mas a fim de explicar a lei Universal da Causalidade, o Karma deve permanecer, e, ainda, sorrateiramente realizar todos os antigos deveres que o Âtman portava. Ele havia abandonado o animismo de uma civilização baixa, é verdade, mas ele não conseguiria, por uma falta de isenção da própria moralidade, abandonar o fetiche de uma civilização um pouco superior, a saber, a ética. Ele viu que, embora a humanidade estivesse cansada de ser governada por Espíritos, eles estavam muito ansiosos para serem governados por Virtudes, que dava a aqueles que mantiveram essas qualificações fictícias um ponto de vista seguro de que cercariam aqueles que não tinham. Portanto, ele baniu a Reencarnação e a Alma e os substituiu pela Transmigração e pelo Karma (Ação), os Sankhârâ ou Tendências que formam o caráter (individualidade!) do indivíduo.
Ânanda Metteya em “Buddhism”†, explica a transmigração em contraposição à reencarnação como se segue. Dois homens estavam na margem de um lago observando as ondas vindo em direção à terra. Para aquele que não é versado em ciência parece que aquela que estava viajando em direção a ele mantém sua identidade e forma, é para ele como uma massa de água que se move sobre a superfície impelida pelo vento. O outro, que tem uma mente cientificamente treinada, sabe que em cada ponto sobre a superfície do lago as partículas de água estão apenas subindo e depois caindo em seu lugar, que cada partícula, por sua vez, está repassando seu movimento para as suas vizinhas. Para o primeiro há uma tradução de matéria, para o segundo de força. “O Vedântista viu a Substância, um princípio permanente, um Ens; o budista só as Qualidades, elas mesmas em todos os seus elementos sempre mudando, mas a soma total de sua Açào seguindo seu caminho firmemente, até que a onda quebra sobre a praia do Nibbâna, e não é mais uma onda para sempre”.
† Vol. i, No. 2, p. 293. 136
Nós não temos espaço para criticar isso, tudo o que perguntamos é — qual é a diferença entre Força e Matéria, e se a aniquilação de um não carrega com ela a aniquilação do outro, independentemente de qual seja o primeiro — se algum for?
Ânanda Metteya leva sua ilustração ainda mais longe.
John Smith, então, em certo sentido, é imortal; ou melhor, cada pensamento que ele pensa é imortal, e continuará a existir, em algum lugar, nas profundezas do infinito. . . . Mas não é esta parte de sua energia que resulta na formação de um novo ser quando ele morre. . . . Podemos então considerar o momento da morte de John Smith. . . . Durante sua vida ele não tem posto a vibrar sozinho o grande oceano do Æter, ele tem afetado a estrutura de seu próprio cérebro. De modo que, no momento de sua morte toda a sua própria vida, e todas as suas vidas passadas, são retratadas existentes em uma definição e estrutura molecular característica, uma representação tremenda e complicada de tudo o que quisemos dizer pelo termo John Smith — o registro dos pensamentos e ações de incontáveis vidas. Cada célula das milhões de seu cérebro pode ser comparada a uma Garrafa de Leiden carregada, os nervos-caminhos irradiando dele logo vibram com suas descargas, carregando o seu significado através do corpo do homem, e, através do Æter, até a infinitude do espaço. Quando está funcionando normalmente, a sua descarga total é impedida, de modo que nunca a qualquer momento mais do que uma fração de sua energia armazenada pode ser dissipada. . . . E então a Morte vem; e no momento da sua vinda, toda aquela energia trancada flameja no universo como uma estrela recém-nascida.*
Então Ânanda Metteya demonstra em uma longa e lúcida explicação como a luz de uma chama emitindo a luz amarela do sódio pode ser absorvida por uma camada de vapor de sódio, assim o Karma, liberado do corpo do homem morto, circulará por aí até encontrar o corpo de uma criança recém-nascida afinado ou sintonizado com suas ondas particulares.
* Buddhism, vol. i, No. 2, p. 299, abridged.
Agora nós não estamos preocupados em extraviar crianças que como os receptores de um telégrafo sem fio captam mensagens boas ou más; mas é um fato interessante saber que pelo menos alguns budistas ortodoxos atribuem poder tão complexo e considerável ao cérebro, que pelo fato de deixar um corpo esse corpo perece, e de entrar em outro corpo ele revive. Será que retornamos ao nosso velho amigo, o Prâna, que na sua forma individual se assemelha tanto ao Karma individual, e em sua totalidade à totalidade do Nibbâna? Voltemo-nos para o Upanixade Brihadâranyaka. Lá no 1, 6, 3. encontramos uma fórmula mística que se lê Amritam satyena channam. Isso significa “O imortal (Brahman) velado pela realidade (empírica)”; e imediatamente depois disso é explicado da seguinte forma: “O Prâna (ou seja, o Âtman) a saber é o imortal, nome e forma são a realidade; por estes o Prâna é velado”. Mais uma vez estamos de volta ao nosso ponto de partida. Se tornar um com o Prâna ou Âtman é entrar no Nibbâna, e assim como os meios que levam aos anteriores consistiam em exercícios de concentração, tais como Prânâyâma, etc.;, assim também agora encontraremos exercícios quase idênticos utilizados para apressar o Aspirante ao Nibbâna.
Frater P. estava agora bem familiarizado com a Filosofia do Yoga, além disso ele estava começando a sentir que o Animismo cru empregado por muitos de seus expositores correlacionava assustadoramente com suas consecuções. Quanto mais próximo ele chegava do Âtman, menos ele parecia refletir aquilo que lhe havia sido ensinado a esperar. Na verdade a sua tradução para comentários mundanos era uma questão de experiência, então aconteceu que ele descobriu que a Grande Conseução em si era idêntica em todos os sistemas independentemente do símbolo que o homem procurava. Assim, Javé como um falo de argila em uma chapeleira era tão real para os Judeus do Gênesis quanto Brahman no Brahma-loka era para os árias da Índia védica; que a visão de Moisés quando viu Deus como uma sarça ardente é semelhante à visão do Corcel de fogo dos Oráculos Caldeus; e que Nibbâna o Não-existente é pouco diferente, se for, do céu cristão com suas harpas, auréolas e anjos pairando. E a razão é que o homem que atinge qualquer um desses estados, em seu retorno à consciência, imediatamente atribui sua consecução ao seu parceiro de negócios em particular — Cristo, Buda, a Sra. Besant, etc., etc., e tenta racionalizar sobre o suprarracional, e descrever o que está além da descrição na língua do seu país.
P., sob a gentil orientação de Ânanda Metteya, num primeiro momento achou a simplicidade exterior mais refrescante, mas logo ele descobriu que, como todos os outros sistemas religiosos, o Budismo era enredado em uma verdadeira rede de palavras. Percebendo isso, ele deu um passo além do de Gautama, e disse: “Afinal, por que se preocupar com Sofrimento, ou com Transmigração? pois estas não são ‘visõedades erradas’, como Mr. Rhys Davids tão poeticamente colocaria, mas assuntos do Parquinho e não do Templo; assuntos para regulamentação da polícia, e para vigários mal pagos discutirem, e assuntos que não têm nada a ver com o verdadeiro progresso”. Então ele dividiu a vida em dois compartimentos; no primeiro ele jogou a ciência, o aprendizado, a filosofia e todas as coisas feitas de palavras — os brinquedos da vida; e no segundo As Invocações de Adonai — o trabalho da conseução.
Então ele deu mais um passo para frente. “Faze como [sic] tu queres!” Não só é o Animismo absurdo, como também é a Moralidade; não só é a Reencarnação absurda, como também é a Transmigração; não só é o Ego absurdo, como também é o Não-Ego; não só é o Karma absurdo, como também é o Nibbana. Pois todas as coisas e não-coisas são absurdas exceto “eu”, que sou Alma e Corpo, Bem e Mal, Sofrimento e Alegria, Mudança e Equilíbrio; que no templo de Adonai, estou além de todas estas, e pela lareira de meu estudo — Sr. X, um com cada e com todos.
Assim aconteceu que o estudo do Budismo fez Frater P. abandonar o falso esplendor do Vedânta, bem como suas próprias quinquilharias amadas, e o induziu, mais do que nunca, a confiar no Trabalho e somente no Trabalho, e não em filosofar, moralizar e racionalizar. Quanto mais racional se tornava, menos ele racionalizava exteriormente; e quanto mais ele tornava-se dotada com o Espírito do Buda ao invés dos vapores do Budismo, mais ele via que o esforço pessoal era a chave; não as Escrituras, que na melhor das hipóteses poderia apenas indicar o caminho.
Ele (o Dharma) deve ser atingido pelos sábios, cada um para si próprio. A Salvação se apóia no Trabalho, e não na Fé, não em reformar os assim chamados caídos, mas em conquistar a si mesmo. “Se um homem conquista em batalha mil vezes mil homens: e outro conquista apenas a si mesmo; — ele é o maior dos conquistadores”.*
* Dhammapada, v, 103.
Este é o resumo do Budismo, assim como é de todos e quaisquer sistemas de auto-controle.
O Esforço é o Caminho Imortal — a preguiça é o caminho da morte. O Esforçado vive sempre, — os preguiçosos já são como mortos.*
* Dhammapada, v, 21.
Impermanentes são as Tendências — portanto, entregai-vos ao Esforço.
Frater P. agora percebeu mais claramente do que nunca que este último comando do Buda era a única coisa supremamente importante que ele já disse.
Traduzido por Alan Willms