O Falido

Este artigo é um capítulo de O Templo do Rei Salomão

Sobre o Ateu.

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O Falido
«ou o Ateu»

Ó, onde estão os jardins suspensos da Babilônia, com seus bosques poderosos elevando-se entre as nuvens? Ó, onde está o deus-sol de Rodes, cuja fronte dourada costumava corar com o primeiro fogo da alvorada, enquanto as águas a seus pés estavam envoltas na névoa da noite? Ó, onde está o Templo de Éfeso, e aqueles que clamaram a Diana? Onde está o olho cintilante de Pharos[1] que brilhava como uma estrela de esperança sobre as águas selvagens do mar? Crianças de monstros e deuses, como caíste! pois um redemoinho surgiu e varreu os portões do Céu, e precipitou-se sobre os reinos da Terra, e como uma língua de chama consumidora lambeu as obras do homem e cobriu tudo com o pó da decadência. Um jugo foi colocado sobre os ombros das terras antigas; e onde antes os pés brancos de Semíramis[2] brilhavam entre os lírios e rosas da Babilônia, agora as cabras selvagens saltam e procuram a grama esparsa que brota em tufos dos montes de areia vermelha e amarela, aqueles montes memoriais silenciosos que marcam o local onde antes ficavam palácios de mármore, jaspe e jade. Ó, ai! Ó, ai! porque tudo é pó e ruína; as comportas dos anos foram abertas, e o Tempo varreu como um vento poderoso os castelos preparados de reis com as cabanas cobertas de lama de pastores. Merodaque se foi, e Ea também, e Istar não mais chameja durante a noite, nem lança seus beijos nas taças cintilantes do palácio de Belsazar. Ísis, com véu escuro, partiu, e Nu não eleva mais a barca do Sol com o sopro do amanhecer. Ó, Amém, touro de rosto bonito, onde está a tua glória? Tebas está em ruínas! Ó Senhor da alegria, ó poderoso de diademas! A coroa de Sekhet caiu de tua testa, e a força de tua vida se foi, e teus olhos são como as sombras da noite. O Olimpo é apenas uma colina árida e Asgard uma terra de sonhos sombrios. Sozinha, no deserto dos anos, ainda se agacha a Esfinge, sem respostas, incapaz de ser respondida, inescrutável, envelhecida, coeva com æons de velhice; sempre voltada para o leste e sedenta pelos primeiros raios do sol nascente. Ela estava lá quando Quéops e Khephren construíram as pirâmides, e lá se sentará quando Iahweh tomar seu lugar designado nos salões silenciosos do Oblívio.

O tolo disse em seu coração: “Deus não existe!” Mesmo assim, o homem sábio sentou tremendo sobre as ruínas do passado e assistiu com olhos temerosos a falência do Esplendor e toda a glória do homem ser vítima da usura do Tempo.

Ó Deus, o que és Tu que abandonaste os reinos deste mundo, como uma mulher devassa seus amantes noturnos; e que eles se afastam de Ti, e se lembram e não se arrependem de Ti? No entanto, Tu és tão vasto que não posso Te compreender; o Tempo foge diante de Ti, e o Espaço é como uma bugiganga em Tuas mãos. Ó monstruoso vazio de vastidão! Tu me ultrapassas e estou perdido na contemplação de Tua grandeza.

Os antigos deuses mataram o gigante Ymer; e de seu sangue derramaram os mares; e de sua carne eles cavaram a terra; e as rochas foram feitas de seus ossos; e Asgard, bela casa de deuses, foi construída a partir das sobrancelhas de seus olhos; e de seu crânio foi forjada a abóbada púrpura da Imensidão; e de seu cérebro foram tecidas as nuvens macias do céu. Mas tu és mais do que Ymer; Teus pés estão plantados mais fundo do que as raízes de Igdrasil, e o cabelo de Tua cabeça varre além do elmo do pensamento. Não, mais, muito mais; pois Tu és sem sangue, sem carne e sem ossos; Tu (ó meu Deus!) és nada – nada que eu possa compreender pode Te alcançar. Sim! nada és Tu, além da Vaziez da Vaziez da Eternidade!

Assim, os homens passaram a acreditar em Deus-Nenhum, e a adorar Deus-Nenhum, e a serem perseguidos por Deus-Nenhum, e a sofrer e morrer por Deus-Nenhum. E agora eles se torturam por ele, como antes se cortavam com pederneiras no banquinho de Deus, Seu Pai; e para a honra de Seu nome, e como prova de Sua existência, eles não construíram grandes torres de Ciência, bastiões de vapor e de fogo, e puseram a cantar as rodas do Progresso, e todas as artimanhas e os estratagemas e os artifícios do Conhecimento? Eles contiveram as águas com suas mãos; e a terra eles colocaram em correntes; e o fogo eles ataram como um fiapo de palha úmida; até mesmo os ventos eles enredaram como uma águia em uma rede; – ainda assim o Espírito vive e é livre, e eles não sabem disso, enquanto olham de sua Babel das Palavras para os campos sujos de fuligem, e as florestas derrubadas, e as margens sem flores de seus rios de lama, iluminados pelo sol que brilha em vermelho através da névoa encoberta de sua magia.

No entanto, aquele que olha para os céus e clama em alta voz: “Há Deus-Nenhum”, é como um profeta para a humanidade; pois ele é como alguém embriagado com a vastidão da Deidade. Melhor não ter opinião sobre Deus do que uma opinião indigna Dele. Melhor estar envolto no manto negro da descrença do que dançar nos trapos fedorentos da blasfêmia. Então, eles aprenderam a gritar: “Para as crianças, fé e obediência; para nós, homens, solidão” – a monarquia da Mente, a majestade pandemônica da Matéria!

“Uma Bíblia na mesa de centro de uma cabana empobrece a imaginação monárquica do homem”; mas uma mulher nua chorando no deserto, ou cantando canções de frenesi para Istar durante a noite, do cume arruinado de Nínive, invocando os poderes elementais do Abismo e lançando o pó de séculos ao redor dela, e clamando a Bel, e a Assur, e a Nisroch, e ferindo com chamas dos ossos queimados pelo sol de Senaqueribe com a espada gasta de Sharezer e Adrammelech, é uma visão que intoxica o cérebro com o vinho espumante da imaginação e faz os dentes chocalharem nas mandíbulas, e a língua colar ao palato da boca.

Mas os homens do livro mataram o Grande Deus e os gorjeadores de palavras torceram seus parafusos rangentes em seu caixão. Os primeiros cristãos foram chamados de Ateus; no entanto, eles acreditavam em Deus: os cristãos de hoje são chamados de Teístas; no entanto, eles não acreditam em Deus. Assim, os primeiros livres-pensadores foram chamados de Ateus; ainda assim, eles acreditavam em Deus-Nenhum: e os Livre-pensadores de hoje serão chamados de Teístas; pois eles não acreditarão em Deus-Nenhum. Então, de fato, nestes últimos dias, podemos encontrar novamente o Grande Deus, aquele Deus que vive além do gorjeio dos lábios do homem e dos murmúrios de sua boca.

Cheios da espuma das palavras, esses tolos flatulentos argumentaram a respeito de Deus. Não como o bardo cantou de Ymer; mas como o gato ronrona para o camundongo que está sendo estrangulado: “Visto que Deus é a causa primeira, ele possui existência a sē[3]; portanto, ele precisa ser necessário e absoluto, e não pode ser determinado por qualquer outra coisa”. No entanto, esses sábios médicos discutem sobre ele como se fosse um cadáver nas mesas de suas cirurgias, medem seu comprimento com suas trenas e o esticam e cortam para caber no leito de sua metafísica procustiana. Assim, ele é absolutamente ilimitado de fora e ilimitado também de dentro, pois a limitação é não-ser, e Deus é o próprio ser, e o ser é todas as coisas e todas as coisas são coisa nenhuma. E assim encontramos Epicuro caminhando de braços dados, do templo das palavras ventosas, com Atanásio, e entrando no mercado da vida, e na multidão de vivos – aquela grande testemunha sem língua da generosidade de Deus; e misturam-se com os meninos risonhos, derramando folhas de roseira sobre Doris e Bacchis e mandando beijos para Myrtale e Evardis.

Deus ou Não-Deus – que assim seja! Ainda assim, o Sol nasce e se põe, e a brisa noturna sopra as chamas vermelhas de nossas tochas por entre as palmeiras, para a confusão das estrelas. Veja! – lá longe entre as poderosas patas da silenciosa Esfinge repousa um templo cúbico cujo deus foi chamado Ra Harmakhis, o Grande Deus, o Senhor do Céu, mas que na verdade é sem nome e além de nomes, pois ele é o Espírito Eterno da Vida.

Silêncio – o sistro soa do outro lado das margens das águas escuras. A lua nasce, e tudo é prata e madrepérola. A flauta de um pastor soa ao longe – uma criança se desviou do rebanho. … Ó quietude … Ó mistério de Deus … quão suave é Tua pele … quão perfumado é Teu hálito! A vida flui através de mim como um vinho forte. O frenesi da resistência, o arrebatamento da luta – ah! o êxtase da Vitória. … A própria alma da vida jaz arrebatada, e o fôlego me deixou. … Uma pequena mão quente toca meus lábios – Ó fragrância do amor! Ó Vida! … Existe um Deus?


  1. «Pharos é a transliteração de Φάρος, refere-se ao Farol de Alexandria, uma das sete maravilhas do mundo antigo.» ↩︎

  2. «Semíramis é a lendária rainha da Assíria que fundou a Babilônia.» ↩︎

  3. «Latim para “por si”, ou seja, independente de outrem.» ↩︎


Traduzido por Alan Willms em 2011; atualizado e anotado em maio de 2023. Foto ilustrativa de Emil Kalibradov no Unsplash.

Próximo capítulo em breve!
O Puritano »
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