Beatitude

Este artigo é um capítulo de Pequenos Ensaios em Direção à Verdade

Descreve uma “Visão” experimentada em Tiphereth.

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Beatitude

Existem duas formas bem distintas da Visão Beatífica. A superior pertence a Kether e, portanto, é apropriada apenas para o Ipsissimus, embora possa ser apreciada esporadicamente (e, por assim dizer, por acaso) por aqueles de graus mais baixos.

É uma ocorrência extremamente rara e, de fato, nunca foi descrita em detalhes; pode até ser dito que é duvidoso que alguma explicação sobre sua verdadeira forma tenha sido dada ao mundo. Aqui só é preciso dizer que sua fórmula é “Amor é a lei, amor sob vontade” e que sua natureza é o Sacramento Perpétuo da Energia em ação. Depende do perfeito domínio dos Mistérios do Sofrimento e da Mudança, com identificação minuciosa com o da Individualidade.

Então vamos nos ocupar com a forma inferior desta Visão (inapropriadamente assim chamada; já que não é tecnicamente uma Visão de modo algum) que pertence a Tiphareth e, portanto, é a graça natural do Adepto Menor. Pode-se dizer de imediato que aqueles que alcançaram graus mais elevados, especialmente aqueles acima do Abismo, dificilmente podem retornar a essa Visão. Pois ela implica certa inocência, um certo defeito de Entendimento que não é possível a um Mestre do Templo. Novamente, os Graus de Adepto Isento e Maior são energéticos demais para admitir a quietude equilibrada deste estado.

Somente no centro da Árvore da Vida, somente na segurança autossustentada do Eixo Solar, podemos esperar encontrar a indiferença constante ao Evento que é a base do Transe, e esse brilho ontogênico que o tinge com Rosa e Ouro.

Este Transe difere notavelmente da maioria dos outros de uma forma que as condições acima indicadas nos levariam a esperar. É, psicologicamente, um estado; ao contrário de uma Ação ou um Evento. É verdade que todos os Transes de intensidade Samádica são, em certo sentido, intemporais; mas pode-se dizer que a maioria deles é marcada por questões bem definidas de um caráter crítico. Ou seja, a entrada para cada um é quasi-espasmódica.

Neste caso, no entanto, não encontramos tal diagnóstico.

O Transe pode continuar por semanas ou meses, e o devoto mais fervoroso de Tahuti, procurando em seu Registro Mágico com a mais conscienciosa acuidade, acha impossível indicar o início da Visão. De fato, pode-se supor que a Visão não surge de uma determinada ação, mas sim de uma sutil suspensão da ação. O conflito de eventos terminou felizmente em um estado de equilíbrio serenamente perfeito, no qual, embora a energia continue a se manifestar, seus problemas se tornaram sem importância. Podemos comparar a condição com o retorno à saúde de um homem atingido pela febre. A alternância de pirexia e temperaturas subnormais diminuiu; ele gradualmente se esquece de consultar o termômetro nos intervalos habituais, absorve-se instintivamente em suas atividades regulares. Ao mesmo tempo, ele não está mais consciente dos períodos de calor e frio, mas está semiconsciente do brilho silencioso da saúde. Similarmente, nessa Visão, todo esforço mágico consciente cessa, embora se continue com as práticas com toda a diligência costumeira, e todas as impressões do Adepto, internas e externas, são impregnadas pelo brilho de beleza e deleite. Em muitos aspectos, o estado é semelhante àquele que é procurado pelo usuário de ópio; mas é natural e não requer supervisão artificial.

Conclui-se do exposto acima que nada poderia ser mais absurdo do que tentar dar instruções para a obtenção desse estado.

Aspirar a ele (ou ainda pior, procurar recuperá-lo depois que ele passou) deve parecer ser o clímax de uma lógica ruim. Nem, tão deleitável e abençoado como é, pode-se chamá-lo realmente de algo desejável.

Não precisamos assumir que ela seja prejudicial de modo algum, que esgote o bom Karma ou que desperdice tempo e diminua a aspiração. Quando ocorrer, ela deve ser aceita com calma indiferença, desfrutada ao máximo e abandonada sem arrependimento. Sua ocorrência é, em todo caso, uma evidência clara de que o Adepto atingiu um estado definido e exaltado de ser, já que ele pode viver tantas horas sem ser perturbado pela incidência de qualquer força motriz. Ela implica um grau acentuado de consecução de controle interno e externo. Ela prova a possibilidade de repouso perfeito no meio da maior atividade, e assim indica a solução do problema final da filosofia, o proêmio para a conquista das Três Características[1]. Deve dar alento ao Adepto em sua Aspiração, encorajando-o a confrontar o terrível postulado do Abismo. Deve servi-lo como refresco e nutrição; deve assegurar-lhe a possibilidade de perfeição na Obra Maior, demonstrando sua existência como uma Coroa para a Menor.

Além disso, o desfrute do Deleite e a apreensão da Beleza em todas as coisas, mesmo neste plano em que a análise ainda não se tornou aguçada, realmente fortalecem o coração e acendem a imaginação.

Portanto, que o Postulante da Rosa-Cruz siga seu Caminho com solene força, consciente de que no momento apropriado ele poderá receber, sem solicitar, a recompensa, e desfrutar da inundação revivificante da doce Luz, que foi chamada de Visão Beatífica pelos Adeptos.

 

[1] «As Três Características ou marcas da existência de acordo com o Budismo: aniccā (impermanência), dukkha (sofrimento) e anattā (não-self).»


Traduzido por Alan Willms em janeiro de 2020.

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