Uma Entrevista com Scott Wilde

Uma explicação básica do que é Thelema

.
Leia em 11 min.
Banner

Uma Entrevista com Scott Wilde

Uma estudante universitária participou de nosso ritual online no fim de semana passado, com a tarefa de comparecer a um ritual e entrevistar alguém dele. (O ritual está aqui: https://www.youtube.com/watch?v=8dSjsIbqOe0)

Ela enviou suas perguntas por e-mail, a maioria delas parecia fazer parte da tarefa, mas algumas delas eram particulares. Muitos dos conceitos talvez foram excessivamente simplificados, e acrescentei várias referências da cultura pop para despertar o interesse do leitor, mas foi um exercício divertido. Achei que seria divertido compartilhar minhas respostas.

1) Qual você acha que é o aspecto mais fundamental da sua religião?

“Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei” e “Não existe lei além de ‘Faze o que tu queres’”. A pedra angular de nossa religião é que cada um deve encontrar e realizar sua verdadeira vontade, independentemente das leis dos homens ou de Deus. Isso se aplica a todas as áreas da vida, desde o sustento até a experiência do amor, desde a expressão da religião até a morte. Além disso, cada um deve fazer o melhor para garantir que não esteja interferindo na expressão da vontade do outro.

Isso não quer dizer que defendemos o mero hedonismo, mas que cada um deve encontrar o modo de atravessar o mundo que expressa seu eu mais verdadeiro e se esforçar para trilhar esse caminho, independentemente das circunstâncias em que se encontre.

A nossa religião é ΘΕΛΗΜΑ (Thelema), uma palavra grega que significa “vontade”, pronunciada “télema”[1]. Preferimos ser chamados de “thelemitas”, e qualquer coisa que vejamos como estando em conformidade com esse princípio chamamos de “thelêmico”.

2) O que você quer que os outros saibam sobre sua religião?

Frequentemente somos retratados na mídia como simples satanistas, ou um culto maluco com orgias e drogas, ou, recentemente, por algumas pessoas do povo Qanon como todas as opções acima, além de comedores de crianças como extra.

Recentemente o seriado Strange Angel da CBS, que fala sobre as raízes dos nossos grupos americanos, nos humaniza um pouco, mas ainda exagera nossos rituais para causar sensacionalismo. Normalmente levamos isso na esportiva, a maioria de nós amou Strange Angel, mas na maior parte somos apenas um grupo de indivíduos excêntricos tentando viver a vida como todo mundo. Nosso templo teve um coquetel molotov lançado em sua porta no ano passado, recebemos ameaças ocasionais e muitos de nossos membros fazem o possível para permanecer anônimos. Alguns programas também ajudam muito a nossa causa, então não é de todo ruim, recentemente Midnight Gospel[2] teve vários episódios que nos mencionam.

3) Qual você acha que é o aspecto mais peculiar de sua religião?

Somos uma tradição sincrética, na medida em que acreditamos em uma espécie de experiência religiosa universal, que todas as religiões têm pelo menos um núcleo da verdadeira experiência da divindade. Aceitamos práticas e escritos de outras tradições como nossos, portanto, não há muitas coisas em nossa religião que sejam particularmente únicas, e mesmo esse tipo de amálgama de tradições não é particularmente único, qual religião não é filha de outras? No entanto, existem dois elementos exclusivos que trazemos para a mesa.

Em primeiro lugar, tudo o que incorporamos é filtrado pelo princípio de “Faze o que tu queres”, toda escritura sagrada deve ser reduzida àquelas que expressam a divindade do homem, as partes dogmáticas e aquelas destinadas a manter as massas sob controle devem ser descartadas.

Por exemplo, no ritual onde citamos Ezequiel I, foi descrito um vidente tendo comunhão direta com o divino, o que transmitia parte de seu poder a ele. Isso eu vejo como “thelêmico”, ao passo que eu não usaria algo regressivo como os dez mandamentos, ou realmente qualquer coisa onde um deus tirânico esteja forçando as pessoas a fazerem coisas que elas preferem não fazer.

Em segundo lugar, carregamos a tradição do ocultismo ocidental, da cabala hermética e a prática da Magick. Este é um sistema baseado na combinação de cabala judaica, teosofia grega e platonismo, e certos fios do islamismo esotérico do século XIV, todos entrelaçados com o tarô. As cartas do tarô tornam-se um sistema de classificação em que podemos classificar as ideias de várias religiões. Por exemplo, o ritual que você testemunhou se baseava na carta “A Roda da Fortuna”, na qual Júpiter, Jeová, os pais-de-tudo legisladores, são identificados com a roda do dharma e as leis da natureza, que nos prendem à vida.

4) O que o levou a essa religião?

Fui criado como católico romano e, embora considerasse muitos de seus ensinamentos geralmente nocivos e às vezes francamente prejudiciais, eu gostava muito do mistério dos símbolos e do ritual. Thelema mostrou um caminho que me permitiria entregar-me a essas coisas sem todas as falhas morais, intelectuais e espirituais da igreja que deixei para trás.

5) Quais são algumas de suas tradições religiosas e rituais? Quais você prefere mais?

Temos dois tipos de rituais que praticamos, o tipo que você viu, uma invocação de alguma divindade ou carta de tarô (geralmente expressa como um espírito elemental, planetário ou zodiacal), mas também temos certos rituais transmitidos por pessoas que os praticaram no passado. Em particular, a O.T.O. (uma fraternidade para thelemitas) pratica regularmente rituais de iniciação e uma missa escrita por Aleister Crowley. Os rituais de iniciação são secretos e juramos não revelar pessoalmente seu conteúdo, mas, como aconteceu com os maçons, nossos rituais foram publicados em algum momento e você pode encontrá-los facilmente online.

Mas, assim como a trama de um filme, recomendo que as pessoas não procurem por eles, caso contrário, isso pode acabar com toda a diversão deles, caso decidam passar pelos rituais. O fundador da Cientologia foi um de nossos membros, e eventualmente roubou de nós a ideia de iniciar um culto com seus próprios segredos, eles acreditam que ver os segredos causa dano a uma pessoa, até a morte. Nossos segredos, por outro lado, só são secretos para evitar revelar as voltas, reviravoltas e provações que contribuem para uma boa tensão em um ritual 🙂

A missa, por outro lado, é totalmente pública. Até juntamos algum dinheiro para filmá-la e colocá-la online aqui: https://vimeo.com/82935168

Eu sou o cara de amarelo 🙂 Esse ritual foi cooptado pelo fundador da Wicca e usado como base para seus rituais de iniciação, um dos quais é principalmente a última metade deste ritual.

6) Como estar nesta religião afeta sua vida.

Pessoalmente, dedico muito tempo às práticas e à criação de arte relacionada a Thelema, mas isso é tudo por escolha, principalmente como um hobby obsessivo. Quanto à vida profissional, ela não interage muito, porém já tive um emprego onde confidenciei minhas práticas a um colega de mesma opinião. Ele deixou escapar e meu chefe me questionou sobre isso. Fui demitido um mês ou mais depois por motivos questionáveis. Isso foi em Minnesota, onde as pessoas são muito mais conservadoras. Agora eu moro em Seattle, onde as pessoas têm a mente muito mais aberta para esse tipo de coisa, eu até convidei com sucesso colegas de trabalho para eventos e eles se divertiram 🙂

7) Quantas vezes os rituais são realizados e como eles diferem um do outro?

As invocações ficam por conta de cada pessoa que pode fazer muito ou nada. Da mesma forma, os grupos as fazem como acharem melhor. Dentro dos grupos locais da O.T.O., a missa é geralmente celebrada pelo menos uma vez por mês, embora alguns decidam que querem oferecê-la semanalmente. As iniciações são realizadas conforme as pessoas as solicitam. Acredito ter explicado as diferenças entre eles acima.

8) Quais são alguns dos símbolos da sua religião e o que eles simbolizam?

Particularmente único para thelema é o “Hexagrama Unicursal”, uma estrela de seis pontas desenhada com apenas uma linha (em oposição ao hexagrama de Salomão formado por dois triângulos) com uma estrela de cinco pétalas no meio. Às vezes é mostrado sem a flor, como “a ordem” do seriado de TV Supernatural.

Hexagrama Unicursal de Thelema

As seis pontas simbolizam as seis letras gregas de ThELEMA. As cinco pétalas da flor, as cinco letras da palavra grega AGAPE, que significa amor.

9) «No ritual que eu assisti» o que as flores, a cor roxa e o símbolo representam?

As flores foram escolhidas porque eram roxas e porque representam a manifestação variada da vida, representando o pai-de-tudo. As cores são outra expressão da categorização que é o tarô, que mencionei acima. Cada carta é atribuída a uma ou mais cores. Neste caso, violeta-púrpura é a cor atribuída a Júpiter, aos sete planetas são atribuídas as sete cores do espectro da luz visível. Se você assistir os outros vídeos da série, verá que cada um tem uma cor específica, Marte era vermelho; Vênus, verde; etc. Neste caso, resumindo, o roxo está associado à realeza e à majestade e, portanto, nos lembra de um pai-de-tudo da realeza.

10) No ritual havia outros itens simbólicos?

O talismã no centro do altar — um pequeno disco roxo com um sigilo esculpido nele, preso a um cordão de contas de ametista.

11) Sua religião fornece um guia para seu caminho futuro?

Particularmente não, pelo contrário, incentiva-me a melhorar a mim mesmo e a encontrar o caminho que melhor me convém.

12) Você se considera um líder ou seguidor em sua religião?

Estou constantemente aprendendo com todos que entram por nossas portas, mas dentro de nossa religião, eu me consideraria um líder. Atualmente estou em um conselho nacional de indivíduos que supervisionam os assuntos dos grupos locais de membros da O.T.O. Além disso, organizo rituais públicos como o que você assistiu. A maioria em nossa religião simplesmente comparece, então acho que isso me colocaria em um papel de liderança.

13) Para o ritual, o que os cantos significam e representam?

O canto era o nome do espírito que estávamos invocando: “Kerugunaviel”, da mesma forma o sigilo no talismã era algo como a forma ou corpo do espírito. No cerne do ritual estava a sintonização da consciência ou energia do espírito de Júpiter (ou a roda do tarô da fortuna) cantando o nome e olhando para o sigilo. Experimenta-se então o espírito de Júpiter à sua própria maneira, para alguns é um sentimento ou mentalidade, um espírito como no dito “espírito escolar”. Para outros, é como uma sessão de brainstorming intensa, onde as ideias parecem vir de dentro, do compartimento da mente que instigamos com os cantos, símbolos, luzes, incenso, etc. Alguns podem ficar tão tomados por esta experiência que veem ou ouvem coisas, puxados para um sonho como um transe. Acreditamos que esse tipo de experiência é o que levou à maioria das partes fantásticas das religiões ao redor do mundo, e por isso as estudamos, pegando as partes que parecem funcionar melhor e descartando o resto.

14) Durante o início do ritual na barra do bate-papo havia: “Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei” e os outros respondiam “93”. O que isso significa?

Como já expliquei a frase acima, não irei reiterar seu significado aqui 🙂 Mas nós a usamos como uma saudação um ao outro para nos lembrar e indicar aos outros que é assim que esperamos conduzir a nós mesmos e pedir aos outros que façam o mesmo. A resposta é “Amor é a lei, amor sob vontade”, como se quisesse dizer que esperamos a união de todos no apoio mútuo em nossos caminhos individuais.

93 é uma abreviação para ambas as frases e frequentemente usada como uma saudação mútua. Os gregos antigos não usavam o sistema de numeração árabe usado nos dias de hoje, eles, como os romanos depois deles, usavam as letras de seu alfabeto para representar os números. Na Bíblia, sempre que você lê um número expresso em numerais, é provável que sejam letras gregas no original. Portanto, revertendo isso, as próprias palavras podem ter valor com base em suas letras. ΘΕΛΗΜΑ soma 93 (9 + 5 + 30 + 8 + 40 + 1) da mesma forma que ÁGAPE, amor, também soma 93. Portanto, é usado como substituto para ambas as frases, espelhando o hexagrama unicursal com a flor.

15) O que este ritual significa para você?

Minhas visões em torno do espírito de Júpiter envolvem principalmente a roda dos guṇas girando, as três energias se transformando umas nas outras e isso representando todas as experiências de ser um ser vivo. Além disso, a ordenação correta da vida, encontrar o caminho que melhor se adapta à sua verdadeira vontade. Geralmente, recomendo esse espírito particular para pessoas que procuram trabalho e se sentem mal com o processo.


  1. «N.T. Adaptamos para a pronúncia mais popular no Brasil» ↩︎

  2. «N.T. Disponível no Netflix.» ↩︎


Traduzido por Alan Willms.

Gostou deste artigo?
Contribua com a nossa biblioteca